quinta-feira, 8 de maio de 2025

DESUMANIDADE

 
Sempre houve ordens de expulsão a imigrantes em Portugal. Se bem sei, mais de 2000 em 2022, cerca de 1500 em 2023, etc. O que agora acontece é outra coisa: os imigrantes deixaram de ser pessoas, o discurso da chamada direita moderada adoptou a estratégia da extrema-direita fazendo dos imigrantes meros números, bodes expiatórios para os males da nação pura, carne para canhão, força de trabalho. Não são pessoas como nós, com família, desejos, ambições, vontade, paixões, não são seres humanos com sentimentos nem razão, não sofrem como nós sofremos nem pensam como nós pensamos. São um produto perecível, uma coisa que se importa para se lhe dar uso até deixar de servir. Só não são gado, como eram quando a escravatura estava institucionalizada, porque ainda não temos quem os guie à chibatada, embora já tenhamos quem lhes chame animais. Enfim, a descolonização portuguesa só tem 50 anos. Há por aí muita gente que ainda não aprendeu a ser pessoa, alguns até são ministros e falam do futuro de outros seres humanos como quem fala de exportação de bananas ou importação de carne. Conclui-se, com este andar da carruagem, que pouco mudou na mentalidade colonial portuguesa, que, à semelhança da mentalidade racista norte-americana, vê no imigrante não um semelhante, não um dos demais entre os quais também eu me encontro, mas antes um produto perecível, uma espécie de barril de petróleo ao preço da uva mijona e com cabeça, tronco e membros que, por acaso, só por mero acaso, se assemelham aos de seres humanos. Este nível de desumanidade a que regressámos tem vindo, paulatinamente, a deslocar-nos para o que era o mundo no século XIX. Todas as conquistas em matéria de direitos humanos herdadas no pós-guerra, a segunda, a dos nazis, estão a ir pelo ralo com a força das circunstâncias: uma Ucrânia esbulhada, uma Gaza onde tudo vale, uma China rendida ao capitalismo selvagem, uma Ásia exportadora de mão de obra barata, uma América oligarquizada, um mundo regredado única e exclusivamente pelo egoísmo dos interesses financeiros.

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