sábado, 21 de junho de 2025

TALVEZ... MONSANTO

 


Ruy Belo nasceu em São João da Ribeira, aldeia do concelho de Rio Maior, distrito de Santarém. A sua poesia problematiza o tempo através da matéria da memória, transportando-nos amiúde à infância para questionar a morte. São várias as referências na sua poesia a esses lugares de origem que tive oportunidade de identificar num pequeno ensaio a que dei o título "Uma aldeia que não existe". Em "Talvez... Monsanto", espectáculo de Ricardo Pais, as palavras do poeta natural do Ribatejo encontram-se com a tradição musical da Beira Baixa, num feliz entrecruzamento de referências que conjuga de modo inesperado os ritmos do adufe com a melodia do fado. Tive oportunidade de assistir há uns anos a um extraordinário concerto de Rui Silva, músico cujo trabalho com o adufe, recorrendo amiúde a potencialidades oferecidas pela manipulação electrónica, almeja um estatuto difícil de imaginar para um instrumento de percussão aparentemente tão simples. Mas nunca nada nestas matérias é tão simples como parece. Em "Talvez... Monsanto" a música, o teatro e a poesia colaboram num périplo que pela força do vento na voz do poeta leva-nos até à infância das nossas raízes colectivas, essas que se materializam nas vozes das cantadeiras, nas orações fúnebres e no fado menor. Tudo isto se conjuga com extraordinária beleza, sendo amiúde comovente a simplicidade da leitura proporcionada de uma poesia altamente complexa que desse ritmo circular entre vida e morte e morte e vida retira o essencial da existência humana: somos degeneração regenerável, somos regeneração degenerescente. Somos processo.

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