Não vejo ninguém a escrever sobre
o cão sarnento nos pulmões do inverno
a rádio ucraniana do trabalhador nas obras
a madrugada da mulher a dias
os gatos no baldio em chamas
os homens que varrem ruas sem glória
a saúde de ferro na medicina no trabalho
o crescimento da extrema unção
a venda de consciências a pataco
a greve geral do medo na terra do medo
Anda toda a gente a escrever sobre escrever
sobre o grego obscuro há 3000 anos desaparecido
sobre o compositor de sinfonias caladas
sobre clássicos que ignoravam clássicos
sobre o dia a dia dos versos entre comas
sobre o amor sobre as casas sobre as mães
sobre si mesmo no próprio do ego inflamado
Pois eu venho e quero aqui declarar
a orfandade destes versos polidos com espinhos
depois de ver nascer mais um naufrágio
à deriva num mar de negrume
Se nada podem os versos contra a noite escura
que me sirvam então para gentilmente
mandar o mundo à merda
Quérsias, s/d
Tradução de HMBF a partir da versão neerlandesa de Juraan
Vink.
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