As coisas não são bem assim como nos contam nossos pais, professores, padres, psicólogos, todos os homologadores - diria Jean Dubuffet - de uma cultura asfixiante. No espelho, por exemplo, o que vemos encontra-se geralmente em estado de deformação, vilipendiado, surrado. O fato de tudo o que existe virar imagem ou filme, de a vida já ser sempre cinema, não corrobora em nada para o ideal de transparência da sociedade moderna, menos ainda para atenuar nossas dores corpóreas e sua miríade de cavidades. Pelo contrário, a imagem reflexiva, instantânea implica uma realidade ainda mais nebulosa, espectral, violenta, prenhe de delírios e alucinações. É curioso como em meio a tanta obscuridade e confusão ainda tentem nos vender verdades objetivas, curas a todo momento.
Tiago Cfer, Maldita Beatitude - Criação às Avessas, posfácio a Lacuna, de José Emílio-Nelson, com prefácio de Sousa Dias e desenhos de António Gonçalves, Edições Esgotadas, Setembro de 2025, p. 59.

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