quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

ANOTHER YEAR



Se me fizessem a mais estúpida das perguntas, ou seja, sobre o que trata o último filme de Mike Leigh, eu diria que é sobre a arte de saber envelhecer, um pouco como o vinho que aparece recorrentemente ao longo da fita. Mike Leigh é, na actualidade, o único cineasta que não me obriga a hesitar perante três salas com três filmes promissores. Foi chegar, ver e sair satisfeito. Another Year retoma-o no seu melhor, depois de um comovente Vera Drake, de um irritante Topsy-Turvy, de um suportável Career Girls, de um genial Secrets & Lies e de uma coisa do outro mundo chamada Naked. O que há de tramado num filme como Another Year é deixar-nos a pensar sobre a nossa própria vida enquanto não nos abandonam os planos das personagens colocadas a olhar para o vazio. O vazio para onde olham as personagens, na sua angustiante solidão, no seu terrível abandono, é o mesmo com que nos deparamos sempre que contemplamos um calendário e nos interrogamos sobre o que fazemos no mundo. Uma narrativa aparentemente simples, dividida em capítulos que obedecem à sequência das estações (nada de novo), mostra-nos a felicidade de um casal na sua quotidiana e admirável banalidade. Há algo de especial neste casal: a paciência, a compaixão, a disponibilidade para a família e para os amigos. A questão da disponibilidade é tão importante quão evidente se torna o desespero da mais neurótica das personagens, uma amiga de Tom e Gerri, o casal no centro da trama, mulher maltratada por relações amorosas falidas. Para esta criatura, ter com quem falar não é tão importante como encontrar quem deseje confessar-se-lhe. O seu anseio não é por um ouvido, é por uma boca que dê sentido aos seus ouvidos. Ela quer ser a confidente de alguém e é nessa falta que a sua solidão se afirma. No fundo, o drama encenado ao longo do filme é precisamente o drama daqueles cuja maior necessidade é sentirem-se, digamos assim, úteis, importantes para alguém, desejados. Claro está que em nenhuma circunstância as estruturas depressivas dos intervenientes ameaçam o equilíbrio da história. São raros os filmes que não contando história alguma nos contam a vida toda, este é um deles. E fá-lo com um sentido irrepreensível do ponto de vista da encenação, colocando no tempo certo cada uma das intervenções, fazendo das imagens os frutos, os legumes colhidos no horto metafórico que vai acompanhando o passar das estações. O cuidado colocado na horta amanhada ao longo de várias cenas assemelha-se ao cuidado que a família central da narrativa, o pilar sustentador do desaire, coloca nos seus relacionamentos. Um cuidado que se espera ser o essencial da vida mas que, por esta e por aquela razões, termina quase sempre, na imensa maioria das vidas deste mundo, negligenciado em função de afazeres supostamente mais urgentes.

2 comentários:

sonia disse...

A arte de envelhecer deve ser bem mais fácil de se aprender quando se tem uma companhia. Atravessar o vasto campo da vida a sós é que não é nada recomendável!

hmbf disse...

Isso dependerá dos feitios, mas acredito que uma solidão involuntária seja das condições mais difíceis de suportar.