domingo, 11 de setembro de 2011

POESIA





Poesia começa com o suicídio de uma jovem rapariga que salta de uma ponte. Esta ponte terá uma carga simbólica bastante forte durante todo o filme. É uma ponte que liga duas margens, o passado e o presente, mas também a ponte de onde alguém pode antecipar o futuro. O passado está representado por uma mulher que resolve ir aprender poesia depois de lhe diagnosticarem Alzheimer. O presente vive no corpo do neto dessa mulher, um jovem desinteressado que adormece embalado por uma música intragável e passa a vida a ver televisão. São duas presenças muito fortes e deveras contrastantes. Lee Chang-dong, realizador de Poesia, parece pretender interrogar-nos sobre a possibilidade da poesia no mundo actual. A sua postura perante o poético é desesperançada, mas também algo redutora. A certa altura, o professor de poesia da classe onde a protagonista está inscrita afirma que a poesia está a morrer. A seu lado, um jovem poeta algo perturbado reforça que a poesia merece morrer. Mas ainda que seja difícil a Mija encontrar dentro de si a voz dos versos, é nessa busca que ela vai encontrando suporte para a vida. E a poesia tanto pode estar nas flores como nos alperces que se precipitam sobre a terra para aí serem esmagados, no sabor adocicado de um fruto maduro ou no chilreio dos pássaros, no som do vento a afagar as estepes ou numa simples maçã. Encontrá-la exige um olhar diferente do olhar ameaçado pelos gumes tortuosos da vida. Um dos gumes que Mija terá de enfrentar é a notícia de um crime cometido pelo neto. Haverá lugar para a poesia após o anúncio e a experiência da catástrofe? A pergunta não é nova, chega a ser redundante e quase sempre esquece o essencial. Para lá da questão sobre a possibilidade ou o lugar da poesia, resiste a evidência da poesia enquanto afirmação disseminada do acto criativo. O próprio filme de Lee Chang-dong é poético. É um exemplo das possibilidades da poesia. Pelo que, sendo assim, estamos perante uma petição de princípio. A poesia não transcende a realidade, não chega sequer a desvelá-la, pois a realidade só está velada quando os olhos de quem a olha se deixam embaciar. A poesia é parte integrante da vida. No deprimente caos de desventuras, frustrações, medos e ansiedades que nos envolve, ela brota no coração de quem para ela se volta. Exige um olhar solto e desprendido, mas não requer nenhum paraíso onde possa ser afirmada. Antes pelo contrário. Quanto mais insuportável o mundo, mais clara e translúcida se faz notar a poesia. Não como lugar alternativo, mas como ponte de onde se salta para o futuro. Daí que cada poema seja sempre uma breve e pequena morte, uma breve e pequena antecipação do futuro.

2 comentários:

Menina no Sotão disse...

Mas a vida é uma breve e pequena morte diária, constante e o futuro é algo antecipado que se vive de repente no segundo seguinte ou se perde. Exatamente como a poesia.
Fiquei curiosa e lá vou eu navegar em busca de horizontes. Não lembro quem, mas já tinham me dito que era necessário ver.

bacio

Hoplitas disse...

Henrique

Confesso que gostei ainda mais do filme depois de ler estas palavras.
Elsa