domingo, 9 de setembro de 2012

CANTO DO VIAJANTE



Dion-Bouton, carruagem,
vagão de comboio, carroça,
mula parda, sorridente trepadora,
velho rocim fleumático,
e, em suma, pés humildes, peregrinos,
que lei os move à face da terra?
Quem põe a ânsia de ver nestas
pobres pupilas?
Como compensa este puro deleite
toda a agonia da marcha?

Não será o movimento
fonte de todo o bem, firme base
sobre a qual se levanta a alegria,
branco Triunfo batendo suas asas?
A turbina doente da nuca
não dá o fruto rosado da ideia?
Teremos que adorar o pesadume?
Se é a angústia quem gera bons filhos
e a condenação do Senhor, Trabalha!,
é em seu fim uma alba melodiosa,
teremos que aceitar as aflições
como a maior oferta da vida?

Dá-me o cajado, calça-me as botas,
e enche-me o surrão de caridades.
Já o remanso desfrutei e o rio flui.
Pelo carreiro há pobres
que não desfrutam de Deus; cheio o alforge
com broas de amor, que há muita fome.

Caminho dourado em pleno dia,
caminho prateado da noite;
cume avermelhado onde o viajante
chega, se detém e cresce!
Doces fogueiras na noite crua,
fontes em dias quentes,
carinhosas pousadas nos portos,
urzais escondidos na sombra;
surpresas do caminho,
chispas de luz ou raio que te fende!...

Continuareis esperando-me, submissos
ao jugo das horas?
Deverei afundar a minha dor no regaço
tíbio e silente da vossa existência?

Para quem emanas, fonte
oculta nas entranhas da estepe?
Garbosa fruta no oásis perdido
por que nasceste?
Terás nascido para mim, para o vadio
viajante? E se eu nunca
tivesse nascido? E se subitamente
a humanidade morrer, continuarás dando
seiva ou carne melosa esterilmente?

Dá-me o fuzil do amor e a cartucheira
bem munida de tiros.
Ferozes bestas erram pelo mundo,
e a bala do amor tempera e amansa.

Dá-me o fuzil do amor para as hordas
humanas, carniceiras;
e que sejam agudas as balas
para que as penetre finamente…

Bandidos, traidores, vigaristas
que surpreendeis o viajante na noite
tépida ou glacial, vorazes
aguietas humanas, quem vos temerá
se consigo levar o fuzil dourado
que põe a flor do amor nas entranhas?



José Moreno Villa (1887-1955)

Versão de HMBF.

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