sábado, 1 de dezembro de 2012

PALE RIDER (1985)




Pale Rider decalca Shane em múltiplos aspectos. A comunidade de agricultores dá lugar a uma colónia de garimpeiros, ameaçados por um ganancioso industrial do minério. Em vez de um rapazito de nove anos, temos uma adolescente de quinze. Há pormenores simbólicos que são óbvias citações, como o reforço da união entre o forasteiro misterioso e a comunidade de acolhimento nas reuniões nocturnas onde se decide o futuro. E se em Shane tínhamos dois homens consolidando a amizade, de machado em riste, em torno de um velho tronco de árvore, em Pale Rider o tronco é substituído por um pedregulho e os machados dão lugar a marretas. As semelhanças não ficam por aqui. Em termos narrativos, os mundos que se opõem num filme e no outro são similares. De um lado, a ganância, uma ideia de progresso estigmatizada pela destruição do meio ambiente, a cidade. Do outro lado, a ambição legítima de famílias isoladas no campo, fazendo pela vida em registo arcaico, respeitando a Natureza na medida das suas necessidades. Em suma, o poder e o contrapoder. 

Não obstante as semelhanças, os dois filmes afastam-se com a naturalidade de um filho que se independentiza do pai. O pale rider de Eastwood pouco tem que ver com a insalubridade do Shane interpretado por Alan Ladd. Talvez este seja mais humano e aquele heróico. Se no carácter se aparentam, distinguem-se no porte e nessa outra dimensão que tantas vezes define os homens: o estilo. Eastwood confere ainda uma aura de mistério ao seu pistoleiro solitário, transforma-o em padre e fá-lo aparecer na sequência de uma prece. O mistério não paira sobre ele, ele é a própria encarnação do mistério. Tanto Shane como priest são dois pistoleiros em busca de uma nova vida, aparentemente resgatados de um passado que nunca nos é revelado. Apenas sugerido. Mas quando ambos aparecem de tronco nu, Shane tem a pele lisa e a carne incólume. Já as costas do padre ostentam seis indisfarçáveis cicatrizes, balas que o trazem morto dentro de um corpo vivo.

De resto, Clint Eastwood diz ao que vem na cena inicial. Não pode ser inocente o facto de logo aí assassinar um pequeno cão. A figura do cão está presente em Shane durante todo o filme, animal fiel e companhia do pequeno jovem que oferece à obra de George Stevens uma dimensão melodramática que Pale Rider rejeita. Por outro lado, o fascínio dos pistoleiros solitários exercido sobre as figuras femininas de ambas as histórias fica declarado em Pale Rider. Se em Shane apenas o subentendemos, em Pale Rider observamo-lo em dose dupla. Tanto Sarah (mãe) como a adolescente Megan (filha) declaram o seu amor ao priest, propondo-lhe a segunda aquilo que a primeira concretiza. Isto é possível devido a um ligeiro desvio narrativo que Eastwood não deixou escapar. Sarah é mãe solteira, vive apenas uma espécie de noivado com Hull Barret (o mais inconformado dos garimpeiros que acolhe pale rider na comunidade).

Todas estas semelhanças podiam legitimar a ideia de um remake. E assim será se entendermos por remake não uma cópia, mas uma reconstrução pessoal sem nenhum tipo de submissão ao original. O que se passa é que o filme de Clint Eastwood tem atrás de si mais trinta anos de história, foi filmado nos meados de uma década de 1980 que lhe permitia ter uma noção diferente (quiçá mais polémica) das relações mantidas entre o poder e a justiça. Repare-se como em praticamente todos os filmes de Eastwood a ideia de legalidade aparece associada aos serviços prestados a quem detém o poder económico. Também neste assim é. O Marshall (histórico John Russell) e seus delegados, contratados pelo poderoso empresário que pretende afastar do seu caminho a colónia de garimpeiros, são o quadro de uma pseudo-justiça, ou seja, de uma justiça que não está tão preocupada em defender os desprotegidos como está interessada em servir os poderosos.

O medo que impede os garimpeiros de se deslocarem à cidade é o medo que a fé inspirada pelo priest vem combater, motivando a luta e a resistência dos mais fracos. Temos, deste modo, a fé ao serviço dos desprotegidos e a lei ao serviço dos mais fortes. Trata-se de um lugar-comum no western que não deixa de ter a sua fundamentação histórica e, para mal dos nossos pecados, muitas vezes se revela certeiro na actualidade. Há, pois, uma dimensão mística em Pale Rider que o torna um filme especial. E quando do alto da montanha o eco das vozes do passado desce à vila, nada mais resta a dois corpos tocados pela paixão do que deixarem-se envolver pelo perfume da nogueira em chamas.

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