A Geração de 27 diz respeito a um conjunto de poetas
espanhóis que começaram a publicar nesse ano (ou perto). Designação algo
abusiva, pois comporta vozes dissonantes de formações distintas, sem padrão nem
raiz comum, apenas com uma muito ténue ligação entre si. Os nomes mais
conhecidos serão Federico García Lorca (n. 1898 – m. 1936) – estreado seis anos
antes -, Rafael Alberti (n. 1902 – m. 1999) – Prémio Nacional de Poesía em 1925
-, Jorge Guillén (n. 1893 – m. 1984) – que começou a publicar poesia na
influente Revista de Occidente – ou Luis Cernuda (n. 1902 – m. 1963) – este, de
facto, com estreia em 1927. No entanto, descobrimos nas biografias destes
poetas a frequência de um espaço comum que virá a revelar-se determinante. Todos
frequentaram a Residencia de Estudiantes, centro de estudos em Madrid para onde
confluía grande parte da cultura literária espanhola de então. Entre os
frequentadores, está também um poeta não tão conhecido como os supramencionados
mas com uma obra verdadeiramente estimulante. José Moreno Villa (n. 1887 – m.
1955) começou a publicar em 1913. A sua poesia é uma espécie de ponte entre a
Geração de 27 e a geração anterior, a de poetas como Miguel de Unamuno (n. 1864
– m. 1936) e Antonio Machado (n. 1875 – m. 1939). Octavio Paz, Ortega y Gasset,
Juan Ramón Jiménez, referiram-se à sua obra em tom elogioso, sendo certo que a
mesma desbravou caminho para o desenvolvimento das vanguardas espanholas. Bibliotecário
de profissão, ligado à Residencia, foi uma espécie de tutor dos jovens Buñuel,
Lorca, Dalí. Escreveu contos, teatro, ensaio, crítica literária e de arte,
traduziu, colaborou com jornais e revistas, fazendo eco de um sentido
transgressor de que a poesia é manifesto irrefutável. Além da autobiografia
Vida en claro (1944), o seu livro mais conhecido é Jacinta la pelirroja (1929) –
expressão magoada de um amor falhado por uma jovem americana de nome Florence
que o levou a viajar até Nova Iorque, lutando ingloriamente contra a oposição
dos pais da amada. No prólogo à edição desta singela antologia intitulada
Poemas (Junta de Andalucía, Abril de 2012), Rafael de Cózar afirma que o livro
marca «el punto culminante de la Generación del 27, la cual, a partir de los inícios
de la República y con el referente de la crisis mundial del 29, evoluciona,
incluso desde las posiciones vanguardistas, hacia la rehumanización» (p. 12).
Identificado com a esquerda republicana, José Moreno Villa viu-se forçado ao
exílio mexicano em 1937. Um ano antes tinha publicado Salón sin Muros (1936),
de que deixarei a seguir uma versão do poema Sobre tus memorias. Já da fase do
exílio, deixo o poema Epílogo – do livro La Noche del Verbo (1942).
SOBRE AS TUAS MEMÓRIAS
Se alguma vez escreveres as tuas memórias
diz que andavas de chinelos por casa,
que ressonavas a dormir,
ou que sofrias de hemorróidas.
Diz se tiveste amores clandestinos
com familiares ou mulheres de classe baixa,
se frequentavas tabernas ou igrejas,
se eras amigo dos grandes fantoches.
Nada digas das tuas obras,
porque, se disseres, roubas ao crítico
o pequeno fruto da presunção.
Ele diverte-se e justifica
manipulando com o “talvez”, o “porventura”
ou o “supostamente”.
O melhor é contar anedotas,
exibir a roupa interior,
dar os pormenores da tua concubina
e oferecer o deve e o haver do teu calendário.
***
EPÍLOGO
Verbo, verbo e não mais, apenas palavras.
Isso sou, isso és, isso somos
dentro da janela.
Por isso quando olhas o teu interior
nada vês de tangível;
nem luz nem corpo, nem cor nem ar;
um enorme vácuo
onde ferve a vida do vocábulo;
onde ferve a vida.
A vida é o vocábulo
e ser homem consiste
em unir sabiamente as palavras
e destacar as que cavalgam
sobre o mundo exterior e o intramundo.
O verbo está no topo;
é senhor e criança.
A mais próxima das suas imagens é o poeta.
Sem comentários:
Enviar um comentário