Com menos de dez filmes no currículo, Richard Wilson
(1915-1991) não fez história no cinema. Desempenhou um pequeno papel em Citizen
Kane (1941), tendo, de resto, sido um dos produtores do Macbeth (1948) de Orson
Welles (1915-1985). O seu primeiro filme enquanto realizador foi este Man With The
Gun/Sozinho Contra a Cidade (1955), que escreveu coadjuvado por N. B. Stone Jr.
(o mesmo de Ride The High Country, de Sam Peckinpah). Wilson parece ter um
talento especial para personagens perversas e cenas onde a maldade se torna evidente. É famosa a abertura de Man Wiht The Gun, com a personagem
interpretada pelo famigerado Leo Gordon a disparar sobre o cão de uma criança
na pequena cidade de Sheridan (Wyoming). Tratados como cães, os cidadãos reúnem o concelho da
cidade para encontrar uma solução. É preciso expurgar as ruas do crime
e das ameaças levadas a cabo pelos homens de Dade Holman, um poderoso “magnata”
local, obeso e sem escrúpulos, que veremos apenas na última cena do filme. Holman
faz-se representar pelos seus capangas, não se desloca à cidade onde tem
interesses comerciais e impõe as suas regras. A comunidade fala dele com
desprezo, mas cede. O sheriff local (excelente interpretação de Henry Hull)
está mais preocupado em evitar problemas do que alimentar conflitos, passa o
tempo a pôr água na fervura, demove o jovem e impulsivo Jeff Castle (John
Lupton) de partir para o confronto, apela à calma e à paciência dos cidadãos de
Sheridan. Eis se não quando entra em cena Clint Tollinger, magnificamente representado
por Robert Mitchum. Na personagem de Tollinger, o filme apresenta-nos a figura do “town
tamer” (pode ser traduzido como domador de cidades). Esta figura
ambivalente consiste em substituir a lei ao serviço da ordem, ou seja,
recorrendo a métodos agressivos e directos, como o uso das armas, ao “town
tamer” cabe afastar a selvajaria da cidade. O pacificador Marshal Lee Sims
vê-se, assim, ultrapassado pela contratação do domesticador Clint Tollinger.
Mas entre ambos não encontraremos querelas. O interesse de Richard Wilson é
pela dimensão psicológica de uma única personagem, a de Robert Mitchum. O filme
não explora tanto as ambiguidades da lei como aprofunda as contradições da
personalidade do “town tamer”, ao mesmo tempo que proporciona um retrato frio da
comunidade que o contrata. Inicialmente dispostos a aceitar os métodos de
Tollinger, os comerciantes locais acham-se entretanto ameaçados pelas
consequências dos procedimentos. É como se sem crime não pudesse haver comércio
e sem comércio fosse impossível à cidade sobreviver. Este círculo vicioso está
patente na análise de Wilson, que filmou também uma inconveniente biografia de
Al Capone (1959) onde as interligações entre a política, a justiça e o crime excedem
os limites do aceitável. A realidade tal como ela é, portanto. E de uma
actualidade ultrajante, se olharmos para como ainda hoje política e finança se
promiscuem com a complacência, quando não cumplicidade, da justiça. Universal e
intemporal, a caracterização efectuada pelo western arrasta consigo, porém,
uma personagem rara. A questão central colocada por Man With The Gun é acerca
das motivações do “town tamer”. Abandonado pela mulher, Clint Tollinger chega
com a intenção de perceber porque foi abandonado e o que é feito da filha de
ambos. Nelly Bain (Jan Sterling) dirige agora um bordel em Sheridan, afastada
do passado e concentrando a sua acção nas prostitutas que para ela trabalham no
saloon da cidade. Tollinger ficará também a saber que a filha de ambos morreu.
Toda esta situação promove no seu íntimo indisfarçáveis sentimentos de
revolta, ódio e vingança, transformando-se a personagem num palco trágico onde
os métodos aplicados na profissão ecoam a raiva recalcada da vida pessoal. As
duas dimensões (pessoal/profissional) parecem inseparáveis, convergindo para
uma espécie de testemunho sobre a forma de entender a arte e, neste caso, o
cinema, enquanto expressão, mais do que transfiguração, de aspectos íntimos da
personalidade e da experiência pessoal daquele que cria. Deste modo, Richard
Wilson concebe o cinema como um reflexo da própria vida filtrado pela
representação. A sua linguagem dispensa alegorias e assessórios metafóricos,
mas não é por isso que deixa de ser profunda.
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