Se um dia vier a ser
- Tudo é bem possível,
Ou, melhor, o que é provável
Muito mais do que possível,
Entendamo-nos noèticamente -
Se um dia vier a ser - ia dizendo -
A besta apropriada para ter assento
Em um (ou mais) Conselhos de Administração,
Faço o propósito solene de assinar
Toda e qualquer lista de subscrição
Mesmo que caridosamente apenas
Político-literárias, de candidaturas...
O intuito óbvio podia ser;
Mas não é:
Quererei mostrar apenas que, por cá,
Ser uma besta é menos que insultuoso:
Taxonomiza apenas, cientìficamente,
O que ainda não é só mineral,
O calhau, do qual e aliás,
Se aproxima insensìvelmente.
(Que possua real vida ou não
É objecto de outra dissertação
Mas, para a besta, que isso seja vida
É a consabida incerta sensação.)
José Blanc de Portugal (n. 1914 - m. 2000), in Odes Pedestres (1965). «José Blanc de Portugal surge em 1940 na poesia portuguesa. É um dos poetas de maior relevo entre os que no nosso meio lançaram os Cadernos de Poesia, publicação que vinha superar e reparar o esteticismo da Presença e retomar uma linha original inovadora, perdida com os homens do Orpheu» (Ruy Belo). «Também ensaísta e crítico musical, cuja poesia intencionalmente pedestre se entrecruza com uma larga informação cultural muito originalmente meditada e versificada em termos de consciência religiosa» (A. J. Saraiva, Óscar Lopes). «A sua poesia, que é a de um espírito dramàticamente católico e de uma vastíssima cultura em todos os campos do conhecimento, caracteriza-se por uma dignidade de tom, uma severidade austera da expressão, um fôlego contido, os quais, do fundo de uma humildade angustiada, através de um humor quase negro ou de uma ternura discretíssima, repercutem, como em raros outros poetas contemporâneos, uma áspera consciência trágica das contradições do mundo moderno» (Jorge de Sena).
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