Andei toda a noite de rua em rua
à procura de nada levava o IPod
para ouvir rufus até perceber
que por ti o coração entrara em loop,
um pouco mais amargo ia deixando atrás de mim
a orla vã do futuro o rio de uma só margem
alguém mais adiante voava num skate e sem parar
pediu um cigarro o seu pequeno gorro
branco estendido estandarte de um destino
torto que acompanha a neblina deixei
toda a solidão do rio ecoar na tua voz
não ia à procura de nada, de ninguém
porque a vida crescera demasiado depressa.
E a canção continuava astuta, a divagar com
olhos de verdugo, numa deriva de combate,
que moeda de troca quer o destino?, o teu corpo
encerado a bronze, agitado na escuridão — Oh, a romantic
blowjob! —, uma insónia de escadas e elevadores,
portas queimadas, o sorriso complacente do quarto escuro?
Sento-me a escutar os aviões da portela,
acendo outro cigarro, o cigarro faz sempre falta
a versos assim, uma espécie de laço com os
sonhos que se esfumam,
um sinal de salvação na selva escura.
Fernando Luís Sampaio (n. 1960), in Falsa Partida (2005). «Não será exagero afirmar que devemos a Fernando Luís um dos mais singulares e conseguidos livros («plaquette», em rigor) entre nós publicados na década de 80 (Hotel Pimodan, Frenesi, 1987). Seguiu-se-lhe um duradouro silêncio e o regresso — admirável — com Escadas de Incêndio (Quetzal, 2000). (...) O tom abrupto, em tardia e jocosa conexão com o «leixa-prem» trovadoresco, tolhe-nos logo no primeiro poema [de Falsa Partida]. (...) O mesmo poema é já em si uma «falsa partida», no sentido em que arranca e não arranca, consignando da melhor maneira uma sugestão de exorcismo. (...) O que protege estes versos da «tristeza da tribo igualitária» é, além de uma rara capacidade de enunciar e denunciar o país real, uma firme e desencantada concisão (...)» (Manuel de Freitas, Expresso, 7 de Janeiro de 2006).
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