sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

UM POEMA DE AL-MU'TAMID

Chorei quando vi passar
Livre sobre mim voando
O bando de cortiçóis.
Nem grades nem grilhetas os detinham.
Não foi por inveja que fiquei chorando...
Apenas nostalgia de ser livre
Sem sentir dispersas
As próprias entranhas
E sem filhos mortos
Que ao pranto me obrigassem.
Felizes aves,
Nunca se apartaram do bando,
Não conhecem a ausência da família,
Não passam a noite,
Como eu, de coração inquieto
Ao ranger da porta da cela
Ou ao chiar do ferrolho.
Mas tais sobressaltos não são meus
Fazem parte da humana condição.
Desejo vivamente só a morte.
Outro, quem sabe, se sujeitaria
À vida com grilhetas, mas eu não!
Alá proteja os cortiçóis
E também as suas crias
Pois às minhas, desventuradamente,
Abandonaram-nas água e sombra.


Al-Mu'tamid (n. Beja, 1040 - m. Agmat, no interior de Marrocos, 1095), in O Meu Coração É Árabe - A Poesia Luso-Árabe, org. Adalberto Alves, Assírio & Alvim, Outubro de 1987, pp. 161-162.

1 comentário:

Cuca, a Pirata disse...

Há qualquer coisa na poesia árabe que não se consegue recriar.