Devo dizer que me estou nas tintas para o Prémio Nobel da
Literatura. Nunca li um escritor nem procurei um livro por lhe terem sido
atribuídos prémios. Este ano há um mas, um aspecto menos convencional que me
agrada. E além do mais gosto muito de muitas canções de Bob Dylan, foi a tentar
tocá-las que aprendi a tocar guitarra, isto é, a arranhar uns acordes numa
guitarra. Depois há o lado profissional da coisa, aquele que me obriga a
desiludir o Xilre quando na sua pergunta traz implícita uma resposta ilusória: Imagino a cara dos editores & livreiros. O que irão colocar nas montras, nas estantes, nos destaques?
É verdade que há pouca literatura de e sobre Dylan em
Portugal, como, aliás, muitas vezes acontece quando o autor galardoado é
escritor de poemas ou de romances ou de peças de teatro… Basta recordar que o
Nobel de 2011, Tomas Tranströmer, não tinha um único livro traduzido para
português à data do anúncio da atribuição do prémio. Com Dylan não haverá
semelhante problema. Desde logo porque são inúmeros os livros sobre ele
disponíveis no mercado de importação, alguns até acerca de facetas artísticas
menos conhecidas do autor de Like a Rolling Stone. Mas já por cá existe matéria
traduzia que pode chegar muito rapidamente aos escaparates. Desde logo, as Crónicas –
Volume 1, publicadas pela Ulisseia em Outubro de 2005 com tradução de Bárbara
Pinto Coelho. Trata-se de uma espécie de memórias concentradas na chegada a Nova
Iorque, já com a intenção clara de se tornar escritor de canções: «Não era nem
de amor nem de dinheiro que andava à procura. Tinha um sólido sentido de
consciência, sabia o que queria, mas não era pragmático e ainda por cima era um
utópico» (p. 14). Valeu.
Menos provável será a recuperação do velho volume publicado pela Centelha na Colecção Rock On. Data de Março de 1985 e foi dos primeiros livros de poemas que li com forte entusiasmo. Em edição bilingue, com tradução de Graça Nazaré, podemos aperceber-nos da maestria lírica latente nas canções de Bob Dylan. Dois versos de Blowin’ in The Wind: «Quantos anos pode uma montanha existir / antes de ser arrastada para o mar?» Ou os versos de A Hard Rain’s A-Gonna Fall, canção que é toda ela um poema repleto de imagens e de alusões à boa maneira beat. O Dylan da canção de protesto que no meio de uma história podia declarar amor a Fidel Castro, o Dylan onírico, surrealista, que em Mr Tambourine Man canta: «faz-me desaparecer pelos círculos de fumo da minha mente, / pelas enevoadas ruínas do tempo, bem além das folhas geladas, / das assombradas árvores temerosas», o Dylan trovador pode e deve e será exposto nas livrarias, pois é um poeta ao nível dos melhores e de algum modo limpará de um qualquer recanto mercantilista um pouco da tralha que atola hoje os espaços livreiros. Portanto, a breve trecho é muito provável que venhamos a ver disponibilizada uma antologia do género.
E há ainda e sempre os acordes, os livros de acordes, como este que
tantas vezes tenho aberto para ensaiar All Along The Watchtower ou I’ll Be Your
Baby Tonight. Portanto, motivos de regozijo para a indústria livreira não
faltarão. Verdade que edições recentes de Adonis na Porto Editora e na Dom
Quixote hão-de ter deixado de monco caído alguns apostadores natos, mas
desengane-se quem julgar que a surpresa trairá os piores hábitos de quem singra pelo negócio. O Nobel da Literatura foi para Bob Dylan? Pois bem, publique-se Bob
Dylan.
Adenda: por justiça, refiram-se igualmente os dois volumes de canções editados pela Relógio D'Água - Canções - volume I (1962-1973) e Canções - volume II (1974-2001) - em 2006 e 2008, assim como a única obra de ficção publicada por Bob Dylan até hoje, de seu título Tarântula, dada à estampa pelas Quasi Edições em 2007.
Adenda: por justiça, refiram-se igualmente os dois volumes de canções editados pela Relógio D'Água - Canções - volume I (1962-1973) e Canções - volume II (1974-2001) - em 2006 e 2008, assim como a única obra de ficção publicada por Bob Dylan até hoje, de seu título Tarântula, dada à estampa pelas Quasi Edições em 2007.
3 comentários:
Mais giro ainda era o Bob Dylan recusar o Nobel. Eu tive de o ouvir quando era miúda, fazia parte do reportório imposto pelo meu irmão mais velho, não sou propriamente fã, mas estou a gostar imenso do gesto de atribuírem o prémio a um cantautor, foi uma bela surpresa.
Desde já, é revelador do conservadorismo encapotado que reina por estas bandas.
Acho que a actual academia sueca fumou muita erva ao som do Bob Dylan :D
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