sexta-feira, 21 de outubro de 2016

HOW THE WEST WAS WON (1962)



À entrada da segunda metade do séc. XX, a indústria cinematográfica enfrentou um dos seus maiores desafios. Do outro lado da barricada estava uma pequena caixa de ilusões que viria a tornar-se um potencial inimigo do cinema. A disseminação de televisores pelos domicílios da nação exigia de Hollywood inovações técnicas que voltassem a seduzir público para as salas de cinema. Surgiu então o Cinerama, composto por «três projectores, um écran triplo, côncavo, com 300 metros quadrados, e seis pistas de som e uns vinte alti-falantes». Quem assistiu, garante que o efeito de relevo era impressionante. Um dos primeiros filmes especificamente preparados para serem exibidos em Cinerama foi How the West Was Won/A Conquista do Oeste (1962). 
Épico dos épicos, How the West was Won conta com um elenco difícil de imaginar, repleto de gigantes do cinema em papéis fugazes. John Wayne aparece, mas quase não damos por ele. O mesmo com Richard Widmark, Henry Fonda, Gregory Peck, James Stewart, Walter Brennan ou Eli Wallach… Não há desempenho individual que se sobreponha ao objecto final, uma História do Old West assinada por três colossos que há muito vinham cimentando a mitologia norte-americana através da arte cinematográfica: John Ford (n. 1894 – m. 1973), Henry Hathaway (n. 1898 – m. 1985) e George Marshall (n. 1891 – m. 1975). 
Nenhum dos três realizadores de serviço terá apreciado sobremaneira as exigências técnicas do Cinerama, tendo o écran triplo sido posto de lado rapidamente. Visto hoje à luz do inimigo televisor, um filme destes perde muito do seu impacto visual. Mantém, porém, a essência das epopeias e a imponência de uma atitude ambiciosa que, apesar de ter amealhado meras três estatuetas douradas, outorgou à humanidade um objecto deveras relevante tanto para a história do cinema como para a história da própria América. Do cinema: não só por marcar uma época, mas também por questionar de um modo latente a sua própria raiz. Não percamos de vista que o primeiro filme propriamente dito era um western intitulado The Great Train Robbery (1903). Não por acaso, o segmento final de A Conquista do Oeste reproduz o assalto a um comboio. O que esse segmento dirigido por Henry Hathaway nos oferece é uma espécie de retrospectiva sobre o percurso da indústria cinematográfica. Assim sendo, a pergunta “como chegámos aqui?”, que acompanha todo o filme, não se refere apenas à América do Norte e à ocupação dos seus territórios, não se refere apenas ao voluntarismo dos pioneiros e dos colonos, refere-se igualmente à indústria cinematográfica. 
No fundo, A Conquista do Oeste reflecte o cinema ao projectar parte da história da América, com os seus heróis e vilões, com os seus estereótipos e conflitos, desde logo pautados pelas distintas duas irmãs que acompanham toda a narrativa. Eve, interpretada por Carroll Baker, é o lado romântico e transcendentalista de uma América arreigada à Natureza e aos seus mais profundos valores. É a América de Ralph Waldo Emerson e de Henry David Thoreau. Lilith, uma impagável Debbie Reynolds, é a América que acabará por vingar, a América pragmática e materialista, a América que Walt Whitman se encarregou de eternizar com versos longos e modernistas, à medida que registava os efeitos do progresso numa humanidade em busca de futuro. 
Dos caçadores de peles solitários, habitantes isolados das montanhas, mais índios que os próprios índios, aos jovens sonhadores que a Guerra Civil chamou à terra, dos jogadores trapaceiros, vigaristas, oportunistas e embusteiros aos fora da lei, da guerra entre cowboys e pastores à concorrência que traçou sobre a paisagem as duas linhas da ferrovia, do modo de vida indígena à viciosa hegemonia de cidades caóticas, fez-se a conquista do Oeste. Contada em cinco segmentos ligados por três gerações de uma mesma família, esta história não encerra de modo algum o potencial crítico de um género como o western
Em 1962, talvez o seu efeito fosse de tipo catártico. O efeito que hoje produz é outro, semelhante ao que sentimos quando relemos Leaves of Grass. É o efeito de estarmos perante obras que fundam o imaginário popular na exacta medida em que nos reenviam para um tempo iniciático, uma era que obrigava a uma determinação e a um voluntarismo que hoje nos são estranhos. Se são estranhos, é porque já nascemos num tempo em que tudo parece ter sido conquistado, em que sobre o desconhecido caiu um terrível manto de previsibilidade. Outros foram os tempos quando havia mato por desbravar e no horizonte reluzia a esperança e o desejo de um mundo melhor. Se chegámos lá, essa é outra questão.  

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