José Mário Branco pegou num soneto de Camões e musicou-o,
acrescentando-lhe versos, repetindo outros. É um poema ou uma canção? O soneto
de Camões deixou de ser um soneto de Camões quando se transformou numa canção de
José Mário Branco?
outro exemplo dele será "...as almas censuradas" com o poema da natália correia. os críticos (a dylan e outros) esquecem-se que a poesia começou na oralidade, que a rima era um instrumento de facilitação da memória e que a música sempre esteve presente desde o primeiro poema, que muitos textos da cultura ocidental, tais como os bíblicos, mas também de outras culturas, foram escritos ou anotados para serem, justamente, cantados, como mantras, num mergulho espiralado cada vez mais para dentro do que as palavras dizem até à iluminação ou fulgurância e o êxtase. nusrat fateh ali khan canta poemas sufis e é pela sua voz acompanhada no ritmo das palmas e dos instrumentos que a mensagem passa. o problema aqui tem a ver com a música, sim, mas também com uma certa imagem do poeta ou do escritor a ser nobelizado. respondendo à tua questão: o poema já não é de camões, mas de josé mário branco, tal como a mona lisa bigoduda é de duchamp e não de leonardo davinci.
Talvez o Nobel da Literatura também não devesse ser atribuído a dramaturgos. Será uma peça de teatro mais literatura do que uma canção? As letras de Brecht para Kurt Weill não eram literatura? E as canções de Boris Vian? Léo Ferré deixava de ser poeta quando interpretava os seus poemas?
O Nobel não interessa. Se formos por aí, as minhas estantes estão cheias de grandes escritores que nunca viram um Nobel. Acho que muitos deles nem sabiam o que era. E a maioria esteve-se nas tintas para o Nobel tanto quanto o Nobel se esteve nas tintas para eles. Tudo bem, portanto. O que me interessa é saber se uma canção é literatura ou não. Eu estou convencido de que é, tanto quanto uma peça de teatro, um conto, um romance, uma novela, um argumento ou até mesmo um ensaio o são... De resto, mantenho a mesma opinião que há anos manifestei acerca desses prémios: só fazem sentido se forem atribuídos a gente em idade de aproveitar o montante e o prestígio, dedicando a vida que têm pela frente ao que interessa: beber, comer, viajar, foder (exactamente por esta ordem). Em alternativa, deviam ser atribuídos postumamente. Dá-los quando um tipo já mal se tem nas pernas é um insulto à vida e à inteligência humanas.
4 comentários:
outro exemplo dele será "...as almas censuradas" com o poema da natália correia. os críticos (a dylan e outros) esquecem-se que a poesia começou na oralidade, que a rima era um instrumento de facilitação da memória e que a música sempre esteve presente desde o primeiro poema, que muitos textos da cultura ocidental, tais como os bíblicos, mas também de outras culturas, foram escritos ou anotados para serem, justamente, cantados, como mantras, num mergulho espiralado cada vez mais para dentro do que as palavras dizem até à iluminação ou fulgurância e o êxtase. nusrat fateh ali khan canta poemas sufis e é pela sua voz acompanhada no ritmo das palmas e dos instrumentos que a mensagem passa. o problema aqui tem a ver com a música, sim, mas também com uma certa imagem do poeta ou do escritor a ser nobelizado. respondendo à tua questão: o poema já não é de camões, mas de josé mário branco, tal como a mona lisa bigoduda é de duchamp e não de leonardo davinci.
grande abraço
Talvez o Nobel da Literatura também não devesse ser atribuído a dramaturgos. Será uma peça de teatro mais literatura do que uma canção? As letras de Brecht para Kurt Weill não eram literatura? E as canções de Boris Vian? Léo Ferré deixava de ser poeta quando interpretava os seus poemas?
É um poema que não faz um Nobel.
O Nobel não interessa. Se formos por aí, as minhas estantes estão cheias de grandes escritores que nunca viram um Nobel. Acho que muitos deles nem sabiam o que era. E a maioria esteve-se nas tintas para o Nobel tanto quanto o Nobel se esteve nas tintas para eles. Tudo bem, portanto. O que me interessa é saber se uma canção é literatura ou não. Eu estou convencido de que é, tanto quanto uma peça de teatro, um conto, um romance, uma novela, um argumento ou até mesmo um ensaio o são... De resto, mantenho a mesma opinião que há anos manifestei acerca desses prémios: só fazem sentido se forem atribuídos a gente em idade de aproveitar o montante e o prestígio, dedicando a vida que têm pela frente ao que interessa: beber, comer, viajar, foder (exactamente por esta ordem). Em alternativa, deviam ser atribuídos postumamente. Dá-los quando um tipo já mal se tem nas pernas é um insulto à vida e à inteligência humanas.
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