Que lugar para Teixeira de Pascoaes no mundo actual?
Directamente saídos de cursos de humanidades, os poetas deste tempo que é o
nosso mal saberão distinguir o orvalho da neblina. Como poderão compreender Pascoaes?
Encafuados em apartamentos, fazendo pela vida uns sobre os outros, é mais o
tempo que ocupam de soirée em soirée do que a caminhar entre serras e vales. O
niilismo pós-guerra, a tensão pré-milenar, a secularização progressiva do
pensamento, materializada na virtualização do real que as redes sociais
promovem, não é ambiente propício ao transcendentalismo de uma poesia que tem
na sua relação directa com a Natureza um foco primordial. Nenhum dos nossos
poetas fez mais programa da Natura do que Teixeira de Pascoaes, observando-a e
interrogando-a para nela descobrir uma vida à nossa imagem e semelhança, para através dela
ascender a um plano etéreo, místico, onde todas as coisas se reúnem num sentido
cosmogónico universal. As rochas respiram na poesia de Teixeira de Pascoaes, a
luz do sol é sangue que vivifica outeiros, rios, bosques, animais, o vento tem
uma voz que cabe ao poeta decifrar. Que
sentido pode isto fazer para quem nasce, cresce e vive em cidades movidas pela
ambição e desprovidas de terra?
AS ALMAS
Vejo passar, na infinda solidão,
Vultos de almas, figuras de emoção;
Os poetas do silêncio que não cantam,
Os doidos que, de súbito, se espantam,
Os que gelam, ao ver o luar nascente,
Os que fitam a mesma estrela, eternamente;
Os perdidos da sorte,
Os que chamam, gritando, pela morte!
Os que andam, sem saber, pelos caminhos,
Os que de noite vão, sempre a falar, sozinhos;
Os que vivem casados com a dor
E a escondem, ciumentos;
Os trágicos do Amor,
Os que sentem astrais deslumbramentos,
Os que matam e cantam, por destino;
O salteador nocturno, o poeta que é divino.
Os tristes vagabundos,
Em perpétua e fantástica viagem...
Os que amam a paisagem
E têm nos olhos a amplidão dos mundos...
Vultos de almas, figuras de emoção,
Errantes, na infinita solidão.
Teixeira de Pascoaes, in Vida Etérea, 1906.
3 comentários:
Excelente pergunta, Henrique. E, paradoxalmente, talvez nunca como agora esta poesia faça tanto sentido, quando estamos a chegar ao paroxismo da (in)civilização, que se fazia já sentir ao tempo do próprio Pascoais.
Sim, encontro-lhe muito sentido nos dias que correm.
Gosto muito.
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