sexta-feira, 11 de novembro de 2016

AS CANÇÕES DE LEONARD COHEN


Começou tarde, dizem, quando comparado com outros que não começam por onde ele começou. Antes do primeiro álbum ser lançado em 1967, Cohen já tinha editado livros de poemas e dois romances. The Favourite Game (1963), o primeiro, desbrava o caminho da salvação através do sexo. Beautiful Losers (1966), o segundo, colocava algumas pedras no caminho. Certo crítico terá falado de um desagradável épico religioso de incomparável beleza. Conversa de crítico. As canções não simplificaram a complexidade do pensamento, deram-lhe antes uma voz porventura mais fácil de chegar ao outro, aquele com quem o vate em vão procura comunicar. Em abstracto, esse outro é sempre uma indefinição que se dilui na expressão do eu. Leonard Cohen nunca deixou de ser escritor nas suas canções, as quais reflectem uma inquietação mística sem igual no panorama da chamada cultura popular (perspectiva demasiado simplista e redutora da natureza de uma canção). O que é a santidade? E o amor? Como se conjugam com a liberdade? E com a sexualidade? Como explicar o mal? No fundo, as dúvidas que estas canções sugerem têm um pendor clássico que fica bem no cenário de ilhas gregas onde o autor viveu. Citemos William Kloman: «Cohen’s political temperament is revolutionary. But, like Camus, he is starkly aware of the paradoxes of rebellion. He is frozen in an anarchist’s posture, but unable to throw his bomb». Talvez a vida “monasterial” num templo budista fosse terapêutica menor para tamanha inquietação. Creio que uma vez na ilha, jamais de lá saiu. O universo de Leonard Cohen é o da insularidade, de guitarra na mão, rodeado de um mar de incertezas por todos os lados, enquanto da voz se estendem palavras ora melancólicas, ora irónicas, ora autocríticas, ora eróticas, palavras desconfortáveis como o canto de um pássaro engaiolado à procura de liberdade. Que bem ficou neste A Noite Fez-se Para Amar


as canções de Cohen no filme de Robert Altman são uma espécie de alma a ecoar a visão melancólica que o realizador tem do mundo. Não sei se triste, se desesperançado,  o eco reproduzido pelas canções induz um romantismo trágico na relação entre os dois malditos que se amam. Nada há de simpático nestas personagens, a não ser as suas fraquezas, os seus vícios, e de como delas surde uma força indómita que não pode senão ser considerada virtuosa. Coragem? Desespero? São figuras humanas, filmadas enquanto tal relegam para o plano da fantasia os heróis inverosímeis do westernclássico. Mas não deixam de ser, também elas, figuras de um tempo que a todo o momento nos chega como identificador da nossa própria miséria

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