Publicadas em 1912, as Elegias de Teixeira de Pascoaes
tiveram na sua origem a perda de um sobrinho. Muitos dos poemas resultam numa
mera expressão da dor, fechados num sentimentalismo catártico que não me
interessa particularmente. Mas outros são autênticas obras-primas do género,
valendo por si só e isoladamente muito mais do que toneladas de literatura
elegíaca vinda a lume posteriormente. Em poemas como Canto heróico ou Elegia da
Solidão a dor afecta à escrita atinge uma dimensão crítica impressionante, atirando
o poeta para um abismo de dúvidas acerca da existência que são o magma da
própria poesia. Nesses e noutros poemas que à sombra desses perduram, Deus surge
envolto em dúvida, indiferente, fantasmagórico: «Não sei quem és, eu não te
entendo, Deus!» (Junto Dele). E ainda que o mistério da dor seja caminho
desbravado para a esperança, a vida resume-se a um berço onde a morte já
respira: «Dia a dia, nós vamos falecendo; / Esta vida carnal é um arremedo / Da
vida, à luz da qual eu não entendo / A tragédia da morte, a dor e o medo» (Vida
Eterna). Existir é, deste modo, experienciar «a tragédia da morte, a dor e o
medo» como uma indefinição que leva à dúvida e, por fim, à esperança. Mas esta
esperança não é a dos católicos, nem o Deus que surde desta inquietação é o
Deus dos católicos. Esta esperança é a daquele que se sabe finito numa certa
forma de ser, mas se descobre eterno na essência material das coisas:
transformação. É a esperança de um homem ligado à terra, consciente do drama que representa em vida, corpo onde a esperança e a saudade se fundem num horizonte de perda.
DE NOITE
Quando me deito e mais a minha dor,
Minha noiva-fantasma, e em derredor
Do meu leito a penumbra se condensa,
Faz-se em meus olhos nus uma luz imensa,
E parece-me o Reino espiritual.
E ali, despido o hábito carnal,
Tu brincas e passeias, não comigo,
Mas com a minha dor… o amor antigo.
A minha dor está contigo ali
Como outrora eu estava ao pé de ti.
Se eu fosse a minha dor, com que alegria
De novo a tua face beijaria!
Mas eu não sou a dor, a dor etérea…
Sou a carne que sofre, esta miséria
Que no silêncio clama!
A sombra, o corpo agonizante, o drama…
Teixeira de Pascoaes, in Elegias (1912).
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