Batia com a esquerda,
por vezes cego de raiva.
A direita estilhaçada até ao ombro
num campo de batalha russo.
Quando chovia
a luva preta cheirava a cabedal
e doía-lhe o braço perdido.
Se estava de feição dava-nos dinheiro
e deixava-nos enfiar-lhe o elástico branco
pela manga da camisa.
Mais ainda que a força da sua esquerda
e os rompantes da sua ira
temíamos
a sua ternura sem jeito.
Talvez até o amássemos,
sentindo-lhe escondido o medo da solidão.
Mas acabávamos sempre a fugir-lhe.
Melhor me lembro
desse braço postiço
com a mão de couro preto
do que lembro o seu rosto.
Ainda estou a vê-la
imóvel na toalha branca,
ao lado do prato,
com a carne já cortada:
Incapaz de violência,
e de uma dependência inexprimível.
Hans-Ulrich Treichel (n. 12 de Agosto de 1952, Versmold, Vestefália,
Alemanha), in Como se Fosse a Minha Vida, tradução colectiva (Mateus, Outubro
de 1993), revista e apresentada por João Barrento, Quetzal Editores, 1994. pp. 13-14.
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