Quem percorra a página do Público, deverá fazê-lo com
cautela. Aliás, hoje em dia toda a relação com um órgão de comunicação social
exige enorme cautela. Ao mínimo descuido, sai-se ferido com mazelas para a
vida.
A imagem ao alto é o destaque do dia, sob a qual surge uma notícia
que parece anúncio a thriller de série B: «Rui Rio ensombra Passos ao
participar em almoços e jantares do PSD». O contraste não podia ser maior,
pensamos. Mas logo somos desmentidos pela notícia que se segue: «O que menos
interessa no debate sobre O Último Tango em Paris é a manteiga». Recordar-se-ão
da célebre cena de sexo lubrificado com manteiga. Toda a gente lhe chama cena
de sexo anal, mas eu não me recordo de ver referências a isso no filme. Também
não me apetece revê-lo. Estou mais interessado em conseguir conciliar as ruínas
e a miséria de Alepo com as aparições no interior do PSD e pacotes de manteiga
em cenas filmadas há 42 anos. Não conseguindo, volto-me para a cultura e para o
desporto como quem busca refúgio para a sanidade mental: «Cheerleading e Muay
Thai com estatuto olímpico provisório», «Numa praça de Beja, ficou provado que
substituir calçada por laje não é boa ideia».
Com legitimidade interrogamo-nos
sobre o sentido deste mundo e não vislumbramos resposta minimamente
satisfatória. Parece tudo improvável como num filme de ficção científica. O
mais que podemos supor é estarmos precisamente a viver num filme de ficção
científica, guiados por um génio maligno para o qual a razão não tem filtros.
Ora tentemos conciliar mais dois cabeçalhos: «Trump nomeia um
céptico das alterações climáticas para Agência de Protecção Ambiental» e «Os
americanos acreditam em notícias falsas 75% das vezes». Talvez exista um
sentido escondido por detrás de tudo isto, um sentido que desafia imaginação e
perspicácia, indução e dedução, um sentido ao qual uma outra notícia, também
relacionada com os EUA, oferece maior problematização: «Perdeu o seu amor por
apoiar Trump? Há um site para encontrar um novo par». E assim concluímos que
vivemos no melhor dos mundos possíveis, como pretendia o filósofo e inúmeros
dos seus seguidores. Enfim, não admira o tempo perdido no entretenimento à disposição.
Ontem, a caminho do mar, ouvia, com a boca mais aberta do que os ouvidos, os
comentários em antena aberta à notícia do dia: «Portugal é dos países onde mais
alunos pobres conseguem bons resultados». Os resultados no estudo PISA são
animadores, mas os portugueses, a generalidade dos portugueses, não sabem lidar
com resultados animadores. Se por um lado se discutia a quem devemos dar louros
pelos resultados alcançados, por outro a ladainha do costume fazia as honras da
casa. «É preciso é disciplina, disciplina e mais disciplina, no meu tempo
coisas que se passam hoje eram impensáveis, os professores não têm autoridade,
não há respeito». Poderíamos congratular-nos com a boa notícia, aproveitá-la
para pensar os critérios do estudo em causa e as razões dos resultados obtidos.
Nada disso. Infelizes com a felicidade, buscamos de imediato pretextos para
transformar uma boa notícia num pesadelo.
Tudo isto é de uma insignificância
atroz, obviamente. Alepo, sites de encontros para eleitores de Trump, cenas
com manteiga, fantasmas no PSD, cheerleading com estatuto olímpico, notícias
falsas e a rede social dos literatos lisboetas com o pito aos saltos por causa
de quem pediu prefácio a quem... nada disto tem interesse algum. Farinha do mesmo saco demente. Pela parte que
me toca, concentro-me no feijão mágico que a Beatriz me ofereceu. Cresce a
olhos vistos com um coração em cada face, já rebentou as asas e aguardo
pacientemente que comece a voar e me leve de pendura daqui para fora.
4 comentários:
"Parece tudo improvável como num filme de ficção científica"
Felizmente finalmente parece que não serei o único... Desde há uns tempos que se me tornou insuportável ver/ouvir notícias na televisão. Sobretudo quando apanho em cheio as apresentações de capas de jornal. É tudo tão paradoxal, tão sem sentido, tão inebriante, fustigante, cansativo, deveras faz-me ficar atordoado e tonto. Literalmente. Pensei que o problema fosse meu. É que à minha volta há pessoas que fazem questão de passar hora e meia/duas horas completamente anestesiadas a olhar para aquilo, todos os dias, e eu pergunto-me o que retiram elas dali. Sinto por vezes uma profunda náusea, como que uma anestesia para de seguida nos ser retirada a consciência. Há quem lhe chame lavagemm cerebral, a mim mais me parece um aniquilamento cerebral.
Agora que terminei de ler o post - talvez a palavra certa seja demência. Injeções massivas de demência. Quais armas de destruição maciça.
Não parece, é mesmo um aniquilamento. Uma máquina de alienação. Uma contagiante máquina reprodutora de insensibilidade.
O actual director do Público veio da direcção da TSF e antes veio daquela página DO PIORIO «O Observador». O ser esteve na TSF desde Janeiro de 2016 e passou para o Público neste verão. O Público vai cair a pique, ainda mais do que nos últimos anos.
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