domingo, 18 de dezembro de 2016

"DR. FILTH, HE KEEPS HIS WORLD INSIDE OF A LEATHER CUP"


Quando foi publicada, Like a Rolling Stone tornou-se rapidamente na mais icástica canção do Bob Dylan eléctrico. Diversas vezes referida como a melhor canção de todos os tempos, segundo critérios sempre discutíveis, a verdade é que Like a Rolling Stone resistiu ao tempo como a melhor das canções, vindo a conhecer versões excepcionais de Jimi Hendrix, Bob Marley, The Rolling Stones. Diz-se que a segunda pessoa a quem os versos se dirigem era Edie Sedgwick (1943-1971), célebre herdeira de uma fortuna à americana, actriz omnipresente na obra cinematográfica de Andy Warhol, que acabou arruinada pelo consumo de drogas. Este lado perturbado do mundo atravessa todo o álbum Highway 61 Revisited (1965) como quem percorre a auto-estrada do inferno, mas a nona e última canção do álbum destaca-se pela intensidade poética das imagens convocadas. Nas dez estrofes de Desolation Row reúnem-se inúmeras referências, reais e oníricas, literárias e sociais, políticas, religiosas, numa espécie de retrato apocalíptico cuja paisagem poderia ter sido pintada por Hieronymus Bosch. Cinderela varre a viela da desolação, Ofélia é uma solteirona que observa da janela a viela da desolação, Caim, Abel e o corcunda de Notre Dame fazem parte de um Carnaval onde ou se ama ou se espera que chova, Einstein disfarça-se de Robin Hood, T. S. Eliot e Ezra Pound lutam na torre do capitão… Mas este mundo do avesso não é gratuito, ele simplesmente amplifica pela sua dimensão metafórica o realismo da primeira estrofe. Eis o primeiro verso da canção: «They’re selling postcards of the hanging”. Dylan refere-se a um episódio ocorrido nos anos 20 da sua cidade natal. Seis negros que trabalhavam num circo foram acusados de violarem uma rapariga branca, acabando rês deles linchados por uma multidão em fúria. Do enforcamento tiraram-se fotografias que serviram para ilustrar postais posteriormente comercializados nas lojas da cidade. Será deste violentíssimo episódio factual, e de uma das suas imagens mais paradoxais — três trabalhadores de um circo enforcados num poste de iluminação — que Dylan fará surgir o Carnaval desolador da sua Desolation Row, terminando com uma estrofe, a última do álbum Highway 61 Revisited, reveladora do estado de espírito que então o atormentava:

Yes, I received your letter yesterday
(About the time the doorknob broke)
When you asked how I was doing
Was that some kind of joke?
All these people that you mention
Yes, I know them, they’re quite lame
I had to rearrange their faces
And give them all another name
Right now I can’t read too good
Don’t send me no more letters no
Not unless you mail them
From Desolation Row

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