Considerado pela crítica um momento menor na vasta
cinematografia de John Ford (n. 1894 - m. 1973), Drums Along the
Mohawk/Ouvem-se Tambores ao Longe (1939) foi um tremendo sucesso de bilheteira.
Para tal contribuiu o facto técnico de se tratar do primeiro filme a cores do
grande cineasta norte-americano. Em conformidade, acabou por almejar uma
nomeação da Academia para a categoria de Melhor Cinematografia a Cores. Mas
também para a categoria de Melhor Actriz Secundária, pelo desempenho
inolvidável de Edna May Oliver. No elenco encontramos ainda alguns rostos
recorrentes nos filmes de Ford, tais como Ward Bond, John Carradine e Chief
John Big Tree. O papel principal foi atribuído a um então jovem em ascensão de
seu nome Henry Fonda, que no mesmo ano estrelou em Young Mr.
Lincoln/A Grande Esperança, do próprio Ford, The Story of Alexander Graham Bell/O Grande Milagre,
dirigido por Irving Cummings (n. 1888 – m. 1959), Let Us Live/Deixem-me Viver!,
de John Brahm (n. 1893 – m. 1982), e Jesse James/A Justiça de Jesse James,
resultado de uma parceria de Irving Cummings com Henry King (n. 1886 – m.
1982).
Em Drums Along the Mohawk, baseado num romance de Walter
D. Edmonds, e com contributos de William Faulkner na adaptação cinematográfica,
Fonda interpreta o papel de Gilbert Martin, jovem recém-casado a tentar vingar
no território hostil do Mohawk Valley. O filme começa com uma sequência algo
picaresca de um casamento na Nova Iorque do final do séc. XVIII, seguida de
viagem na direcção dos territórios selvagens do Oeste. O jovem casal em
lua-de-mel, interpretado por Fonda e Claudette Colbert (Oscar de melhor actriz
em 1934, por It Happened One Night/Uma Noite Aconteceu, de Frank Capra), é a
personificação de um sonho atravessado por receios e expectativas. Instalados
numa cabana desprotegida, experimentam desde cedo a ansiedade de quem vai ao
encontro do desconhecido. Ele, mais determinado, ela, mais hesitante, ambos no
encalço de sonhos ameaçados pelo ambiente político vivido à época. Estamos às
portas da Independência dos Estados Unidos da América, sob a intimação do jugo
britânico em aliança com tribos índias rebeladas contra a ocupação dos seus
territórios.
O jovem casal do filme é, portanto, uma espécie de
metonímia dos Estados Unidos da América, nação una e determinada na afirmação
dos seus valores e da sua independência. Tudo isto fica muito óbvio desde cedo,
pelo que o interesse do filme de John Ford não reside nos elementos narrativos.
Há uma dimensão historiográfica que o valoriza, mas a essa devemos juntar uma
outra que tem que ver com a forma como as diversas sequências vão sendo
desenvolvidas de acordo com uma dinâmica que apõe o trágico ao cómico e
vice-versa. Tipicamente fordiana, esta linguagem conquistou enormes índices de
popularidade precisamente por perceber que o cinema não é um retrato da vida,
acrescenta ao registo dos dias a ilusão de um final feliz. Quando o jovem casal
parte para o desconhecido, deixando para trás a inconsolável mãe da noiva, o
padre que há pouco unia na fortuna e na desgraça homem e mulher lembra que
sempre assim foi desde os tempos bíblicos. Cada geração segue o seu rumo, às
lágrimas seguem-se sorrisos, ao desespero a esperança, ao medo a confiança, à
coragem o temor…
Enaltecimento dos valores fundadores de uma América
inclusiva, Drums Along the Mohawk conjuga o trágico com o cómico, o trivial com
o épico, concentrando nos sonhos de um jovem casal a fé bíblica que faz mover
montanhas. Até onde podemos, no entanto, fazer coincidir fé com sonho? A realidade
apresenta-se como uma sucessão de obstáculos na direcção da utopia, esse horizonte ao qual nunca se chega senão pela vontade. O que Ford parece
transmitir-nos é uma espécie de metodologia que permite contornar os obstáculos
forçados pela realidade, apostando numa poética do sonho onde se mistura a fé com um ideal. E esse ideal é o ideal americano. Por isso mesmo à pergunta sobre
qual a ideologia política professada, a personagem de Fonda responde sem
hesitar: americano. Este nacionalismo característico dos westerns realizados
por John Ford não surge isento de crítica, ele é o resultado de uma reflexão
séria, coerente, objectiva, acerca do pilar que suporta a bandeira de uma nação
onde a divergência e o conflito tendem à união.
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