Respeitando as boas tradições da imprensa portuguesa, também
aqui resolvemos (eu e o meu outro eu) enumerar algumas sugestões literárias
para um Natal colorido. São livros que, grosso modo, não cabem nas estreitas
listas da especialidade, pelo que me parece de elementar justiça oferecer-lhes
a oportunidade que merecem. Dado o sucesso comercial e a popularidade que os
toca, pouco haverá a acrescentar ao que a generalidade dos leitores destas
obras já sabem. São livros que não enganam ninguém, excepto quem os leia.
Comecemos pelo bestseller do ano, a biografia de Cristina Ferreira para a qual a conhecida apresentadora de televisão pousou numa pose capaz de tentar qualquer vampiro por mais morto que esteja. Ao olharmos para o livro, sentimos que foi Cristina quem o escreveu. Felizmente, não teremos que ouvir Cristina a lê-lo. É o maior dos méritos desta obra, poupar-nos à voz esganiçada da autora. Uma sinopse para o livro podia ser: era uma vez uma menina muito pobre que se tornou numa mulher muito rica. As pessoas adoram. E a culpa é dos escritores a sério.
Ainda nos domínios da televisão, mas com uma outra consistência metafísica, sugere-se a mais recente obra da bruxa fina que dá pelo nome de Maria Helena. Tudo é luz em torno desta mulher. Maria Helena veio ocupar um segmento outrora governado por Alexandra Solnado, acrescentando-lhe o lado prático da comunicação com tudo o que seja figurinha celestial. Há toda uma parafernália de ensinamentos neste “Rituais de Luz” que o eleva a bíblia da bricolagem espiritual. Imprescindível a quem acredite no mau olhado.
Mais terreno, igualmente sóbrio, o nosso rei da música pimba irá rivalizar neste Natal com inúmeras obras sobre músicos vindas a lume ou reeditadas no ano prestes a findar. Ele foi Bowie, ele é Springsteen, ele foi Cohen, ele é Dylan, ele será agora e sempre Américo Monteiro (aka Emanuel). À biografia do nosso maior singer-songwriter apontamos apenas uma lacuna: devia vir com as letras e cifras para guitarra. Quanto ao título, é todo um programa: nascemos para ser felizes. Ser, sermos, o que importa é sentir a luz da felicidade nas mãos de Deus.
E assim chegamos a Maria Lisboa, uma mulher com histórias para contar cravadas no peito. A pose reverencial da capa não engana, “Nas mãos de Deus” é toda uma oração à vida que o leitor de tragédias portuguesas não poderá desaproveitar. Nick Cave perdeu um filho e concebeu um álbum, Maria Lisboa perdeu um filho e concebeu um livro. Cada qual trata das suas dores como pode e a escrita é quase sempre um gesto terapêutico (sobretudo para a indústria livreira).
Nos domínios da ficção pura, Raul Minh’alma, a quem certos leitores chamam carinhosamente “o alminhas”, surge onde dantes surgia Pedro Chagas Freitas. As chagas de Pedro e a alma de Raul farão as delícias de todos quantos apreciem uma história mal contada, um chorrilho de banalidades, lamechices a rodos. A grande ficção deste e de outros livros como este é a sua própria existência, como perduram nos tops de vendas e conquistam leitores (mais elas que eles) vorazes e dedicados. Depois da marca registada Rebelo Pinto, eis-nos perante estas almas da pós-verdade-pós-moderna que já não são light nem pimba, são apenas top.
Como não podia deixar de ser, num cabaz literário de Natal que se preze temos que contar sempre com o nosso fala-barato motivacional preferido. O livro não é assim tão barato, mas vale a pena pelas lições de vida que permitem descobrir o caminho da vida desbravando os entulhos da vida em direcção a uma nova vida mais vida que a anterior. Luz, sentimento, alma, Deus, vida, felicidade, tudo isto se condensa em Gustavo Santos, essa latinha de valores condensados com a qual produziremos as mais doces teorias acerca de nós próprios e dos outros. Com Gustavo Santos poderemos ser tudo, menos o Gustavo Santos.
E, já agora, menos o Ruben Rua. Para isso precisaremos de uma Cristina.
Comecemos pelo bestseller do ano, a biografia de Cristina Ferreira para a qual a conhecida apresentadora de televisão pousou numa pose capaz de tentar qualquer vampiro por mais morto que esteja. Ao olharmos para o livro, sentimos que foi Cristina quem o escreveu. Felizmente, não teremos que ouvir Cristina a lê-lo. É o maior dos méritos desta obra, poupar-nos à voz esganiçada da autora. Uma sinopse para o livro podia ser: era uma vez uma menina muito pobre que se tornou numa mulher muito rica. As pessoas adoram. E a culpa é dos escritores a sério.
Ainda nos domínios da televisão, mas com uma outra consistência metafísica, sugere-se a mais recente obra da bruxa fina que dá pelo nome de Maria Helena. Tudo é luz em torno desta mulher. Maria Helena veio ocupar um segmento outrora governado por Alexandra Solnado, acrescentando-lhe o lado prático da comunicação com tudo o que seja figurinha celestial. Há toda uma parafernália de ensinamentos neste “Rituais de Luz” que o eleva a bíblia da bricolagem espiritual. Imprescindível a quem acredite no mau olhado.
Mais terreno, igualmente sóbrio, o nosso rei da música pimba irá rivalizar neste Natal com inúmeras obras sobre músicos vindas a lume ou reeditadas no ano prestes a findar. Ele foi Bowie, ele é Springsteen, ele foi Cohen, ele é Dylan, ele será agora e sempre Américo Monteiro (aka Emanuel). À biografia do nosso maior singer-songwriter apontamos apenas uma lacuna: devia vir com as letras e cifras para guitarra. Quanto ao título, é todo um programa: nascemos para ser felizes. Ser, sermos, o que importa é sentir a luz da felicidade nas mãos de Deus.
E assim chegamos a Maria Lisboa, uma mulher com histórias para contar cravadas no peito. A pose reverencial da capa não engana, “Nas mãos de Deus” é toda uma oração à vida que o leitor de tragédias portuguesas não poderá desaproveitar. Nick Cave perdeu um filho e concebeu um álbum, Maria Lisboa perdeu um filho e concebeu um livro. Cada qual trata das suas dores como pode e a escrita é quase sempre um gesto terapêutico (sobretudo para a indústria livreira).
Nos domínios da ficção pura, Raul Minh’alma, a quem certos leitores chamam carinhosamente “o alminhas”, surge onde dantes surgia Pedro Chagas Freitas. As chagas de Pedro e a alma de Raul farão as delícias de todos quantos apreciem uma história mal contada, um chorrilho de banalidades, lamechices a rodos. A grande ficção deste e de outros livros como este é a sua própria existência, como perduram nos tops de vendas e conquistam leitores (mais elas que eles) vorazes e dedicados. Depois da marca registada Rebelo Pinto, eis-nos perante estas almas da pós-verdade-pós-moderna que já não são light nem pimba, são apenas top.
Como não podia deixar de ser, num cabaz literário de Natal que se preze temos que contar sempre com o nosso fala-barato motivacional preferido. O livro não é assim tão barato, mas vale a pena pelas lições de vida que permitem descobrir o caminho da vida desbravando os entulhos da vida em direcção a uma nova vida mais vida que a anterior. Luz, sentimento, alma, Deus, vida, felicidade, tudo isto se condensa em Gustavo Santos, essa latinha de valores condensados com a qual produziremos as mais doces teorias acerca de nós próprios e dos outros. Com Gustavo Santos poderemos ser tudo, menos o Gustavo Santos.
E, já agora, menos o Ruben Rua. Para isso precisaremos de uma Cristina.
9 comentários:
Isso é o cabaz do inferno...
ó Cuca, mas isto é a Terra, é o nosso país, é numa livraria ali ao lado...
ok, tens razão, é o inferno.
Ia dizer que só falta aí o Paulo Coelho, mas, num inferno desses, o Paulo Coelho pareceria um moderado purgatório.
Que " horta aglomerada" nesta giga de leitura!
Acabei de ler no suplemento do Público, sobre os rankings das escolas, estas beatas palavras da diretora do agrupamento de escolas n•2 de Beja, Maria José Chagas:
"Não fazemos milagres. Temos os alunos que Deus nos dá".
Lê-se e não se acredita! A diretora de uma escola a justificar-se deste modo?!
Logo, isto anda tudo ligado! Tudo rasteirinho. Tudo estupidamente chão.
É o que Deus nos dá.
Por falar em sugestões, espero que gostes do Butcher's Crossing do Williams. Parece-me ainda melhor que o Stoner e o tema e cenários são-te caros. Abrc.
Recebi-o hoje, que estou de serviço. Pena não te ter visto ontem. Já conhecia a edição portuguesa, vou gostar de ler no original. Estou a terminar a Lucia Berlin, provavelmente o melhor livro de ficção que li este ano. Grande e forte abraço,
Dó.
O cabaz top :D
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