quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

"Onde não há fim"


Para Catarina Galego & m. parissy

Ia dizer quando tudo recomeça, mas logo me sobreveio a terrível constatação de nada ter findado. É num continuum vacilante que a treva e a luz se vão rendendo, como no monitor prossegue a estabilizada arritmia do coração.
Certo é que o tempo passa, a pele amarrotada não engana. Mas passa sem rupturas radicais, apenas desvios, inflexões, nada de descontínuas e abruptas separações.
Feitas as contas, não passamos de um grão de areia e nosso todo tempo bem contado é mero instante, fracção de segundo, na história do mundo.
Que nos caberá fazer senão esperar, ir andando, felicitar cada novo dia com uma velha noite?
Tivesse eu Deus a quem dar graças, dá-las-ia pela folha caída, pelas papoilas de vento, pelo animal selvagem à sombra, pelos altos mares da nossa ínfima imaginação. Não tenho. Por não tê-lo contento-me com gestos humanos que fazem valer mais que outros certos dias e todas as coisas que neles perecem, mantendo-se à tona, vivas, nesse continuum vacilante de dia e noite entrelaçados.



Ao alto: "Onde não há fim", com poemas de m. parissy, ilustração de capa de Catarina Galego, Verão de 2016, edição dos autores.

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