domingo, 10 de setembro de 2017

A PROPÓSITO DE FURACÕES

   O muro que separa a arte da indústria, e também aquele que separa a Arte da Natureza, hão-de ruir. Claro, não no sentido em que Jean-Jacques Rousseau dizia que a arte se aproximará cada vez mais da Natureza, mas no sentido em que a Natureza será trazia para mais perto da arte. A actual paisagem oferecida pelas montanhas, pelos rios, pelos campos e prados, pelas estepes, florestas e costas marítimas não pode considerar-se como definitiva. O homem operou já algumas mudanças não despidas de importância no mapa físico da Natureza, mas são simples exercícios de estudante em comparação com o que se há-de alcançar. A fé podia apenas prometer deslocar montanhas, a técnica, que nada admite «pela fé», há-de eliminá-las e há-de realmente deslocá-las. Até agora, sim, apenas obedeceu na verdade a meros objectivos comerciais ou industriais (abertura de minas e túneis), mas no futuro há-de fazê-lo numa escala incomparavelmente maior, de acordo com planos produtivos e artísticos mais alargados. O homem estabelecerá um novo inventário das montanhas e dos rios. Emendará a sério e mais do que uma vez a própria Natureza. Há-de remodelar, eventualmente, a terra a seu gosto. E não temos razão nenhuma para temer que o seu gosto será mesquinho.
   O poeta Kliouev, polemicando com Maiakovski, declara com malícia que «não convém ao poeta preocupar-se com as gruas» e que «no íntimo do seu coração, não mais em lado nenhum, é que se funde o oiro purpúreo da vida». Ivanov-Razumnik, um populista que foi socialista-revolucionário de esquerda, e isto diz tudo, veio meter o seu grão de sal na discussão. A poesia do martelo e da máquina, declara Ivanov-Razumnik, visando Maiakovski, será passageira. Devem falar-nos da «terra original», da «eterna poesia do universo». Por um lado, uma fonte eterna de poesia, e por outro lado a poesia efémera. O idealista semimístico, enfadonho e prudente, Razumnik, prefere naturalmente o eterno ao efémero. Esta oposição da terra à máquina não faz sentido; ao campo ainda atrasado não se pode opor o moinho ou a plantação ou a empresa socialista. A poesia da terra não é eterna, mas transitória e o homem só começou a cantar depois de ter colocado entre ele e a terra os utensílios e os instrumentos, essas máquinas rudimentares. Sem a forquilha, a foice, a charrua, não haveria nenhum poeta do campo.

Léon Trotski, in Literatura e Revolução, trad. Serafim Ferreira, Editorial Fronteira, Dezembro de 1976, pp. 138-139. O sublinhado é meu, para revisão crítica passados quase 100 anos sobre o texto original. Cabe-nos reconhecer que, afinal, tínhamos e temos algumas razões para temer a mesquinhez de certo gosto humano.

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