terça-feira, 30 de janeiro de 2018

UMA MULHER NÃO CHORA

O rosto de Diane Kruger não passará despercebido aos fãs da série The Bridge. Pelo desempenho em Uma Mulher Não Chora/Aus dem Nichts (2017), do realizador Fatih Akin, ganhou a distinção para melhor actriz no último festival de Cannes. Mais recentemente, Uma Mulher Não Chora arrecadou um Globo de Ouro para melhor filme estrangeiro. Diane Kruger dá corpo a Katja Sekerci, personagem no limite do desespero com violentas exigências ao nível da representação. Organizado em capítulos, o filme retrata tanto a dor da perda como o desejo de vingança. Katja perde abruptamente o marido e o filho na sequência de um atentado perpetrado por neonazis do grupo National Socialist Underground, com ligações aos gregos do partido Aurora Dourado. Os terroristas do NSU têm como um dos seus alvos predilectos a imigração. De origem turca, o marido de Katja, ex-recluso, exemplo dos programas de reinclusão, será uma das vítimas do grupo, juntamente com o filho. A questão social e o drama particular da perda interpenetram-se, vindo à tona de um modo especialmente transtornante o desespero de uma mulher sem esperança na justiça para alcançar a verdade. Rodeada de amigos e de família, Katja Sekerci encontra-se subitamente só. A relação com os sogros é de distância, com a sua própria mãe é de náusea e fúria. À única amiga que podia ser apoio no centro do desespero, pede que se afaste e a deixe só. A solidão desta mulher será pois uma das suas marcas mais penetrantes. Sucede que Fatih Akin desvia o interesse da sua personagem, concentrando atenções nas fragilidades do sistema judicial. O modo como posiciona a câmara perante o rosto do advogado de defesa é revelador não só de uma tomada de posição como de uma clara intenção de influenciar o julgamento do espectador. Ele quer que o ódio de Katja aos assassinos da sua família seja também o nosso ódio, quer levar-nos a desconfiar de um sistema capaz de absolver criminosos na base de princípios jurídicos sempre discutíveis. In dubio pro reo aplicar-se-á também ao julgamento que faremos das suas intenções. Apesar de tudo, estamos numa sala de cinema a ver uma obra de arte. Justificar a vingança enquanto prática não será sequer uma originalidade, lembrando-nos de novo os paradoxos da pena de talião. Não devemos a Gandhi o melhor argumento contra tais paradoxos? Olho por olho, e o mundo acabará cego. Resta-nos a empatia para com a dor de Katja, saber que fosse qual fosse a sua decisão teria sempre a justificá-la a inexpressável dor de uma perda absoluta. 

4 comentários:

Ivo disse...

Gralha Henrique (da maçã??? :) )
"drama particular da 'perda'" (não publiques)

Ivo disse...

Vi anteontem o Three Billboards, a dada altura (já perto do final) fiquei com a sensação que as ações da Mãe revoltada já ultrapassavam o admissível. Mas é sempre um julgamento complicado.

hmbf disse...

Ivo, obrigado. Publiquei, contra indicações, porque fico sempre muito grato pelas correcções.

hmbf disse...

Ah, e estou muito, muito, muito curioso acerca do "Three Billboards". Sou fã absoluto da senhora McDormand.