Por mais voltas
que dêmos iremos invariavelmente parar na casa do amor, pelo que livro mais
útil não ides encontrar na vida. A Ars amatoria servir-vos-á em dois partidos,
já que o mestre escreveu-a a pensar tanto nos interesses dos homens como nos
das mulheres. Nisso descansai, nada tendes aqui que conflitue com as novas
tendências da política de equidade de género. E pela voz de um homem ser-vos-ão
abertas as portas da mente máscula.
Públio Ovídio
Nasão nasceu numa pequena cidade italiana em 43 a. C., vindo a falecer em Tomos
(Constança), na Roménia, já 18 anos depois de Cristo ter andado pela terra. Os
parabolanos bem que tentaram silenciá-lo, mas os versos foram mais fortes que
as pedras e aí estão perdurando na eternidade. Expulso de Roma por Augusto,
condenado ao exílio na terra onde viria a morrer, não baixou armas contra caluniadores, dedicando-lhes versos verrinosos bem diferentes da dissolução de
costumes cantada na Arte de Amar.
Encontrareis
nesta obra três livros, dois dirigidos aos homens e um terceiro votado às
mulheres. Dos primeiros podeis colher o pensamento, as tácticas e manhas no
processo de sedução, as regras que comandam o jogo levando o jogador a actuar
deste modo ou daquela maneira. São ensinamentos indispensáveis a quem pretenda
precaver-se contra as investidas do depredador, pelo que deveis tê-los em boa
consideração:
O vinho põe o coração a jeito e torna-o pronto para a
fogueira;
os cuidados desvanecem-se e diluem-se numa boa dose de
vinho puro;
chega, então, o riso, então o pobre ganha coragem,
então a dor e os cuidados e as rugas desaparecem do
rosto,
então a simplicidade, tão rara no nosso tempo, abre os
corações, sacudidos que foram os artifícios pelo deus.
Dos versos
aproveitai tamanho saber: «a bebedeira, tanto é nefasta, se verdadeira, como é
útil, se fingida». Corroboro. Mas são inúmeros os conselhos, julgai-lhes a
utilidade colocando-os em prática. Sobre tudo quanto tem que ver com o amor nos
fala Ovídio, e não é de um amor dito platónico ou ideal que ele fala, mas sim
do amor que corre no sangue e dá vida à carne, movido pelo desejo e alentado pela paixão, é do amor tal qual o
vivem e experimentam todos quantos possam ter neles o que de animal herdámos.
Esta arte de
amar não se dirige aos hipócritas, muito menos aos moralistas, para quem
o amor do espírito pretende impor sacrifícios à carne. Ela dirige-se aos
amantes, ao corpo dos amantes, pelo que deveis considerar todas as
possibilidades: «Odeio o acto de amor que não faz soltar ambos os parceiros /
(eis por que me apraz menos o amor com rapazes); / odeio aquela que se entrega
por ser preciso entregar-se / e que, na sua secura, só pensa na sua lã; /
prazer cedido por dever não é prazer que me dê gozo; / um dever, que nenhuma
mulher o pratique comigo».
Dito como na
canção, para haver amor não pode haver obrigação. Portanto, minhas filhas,
cuidai de meter na agenda:
Tende desde já na lembrança que a velhice há-de chegar;
e não deixeis, por isso, esvair-se tempo algum na
ociosidade;
enquanto vos for consentido e conservardes, ainda, a
idade da Primavera,
gozai; vão-se os anos, do mesmo modo que a água corrente;
nem a onda que passou voltará de novo a ser chamada,
nem a hora que passou logra tornar atrás.
Há que aproveitar a idade.
E o resto são cantigas.
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