A Luis Cernuda
A realidade, sim, a realidade,
esse relâmpago do invisível
que em nós revela a solidão de Deus.
É este céu que foge.
É este território adornado pelas borbulhas da morte.
É esta mesa larga à deriva
em que os comensais perduram ataviados pelo prestígio de
não estar.
A cada qual seu copo
para medir o vinho que acaba onde começa a sede.
A cada qual seu prato
para acabar com a fome que se extingue sem que jamais seja
saciada.
E a divisão do pão aos pares:
o milagre ao contrário, a comunhão somente no impossível.
E no meio do amor,
a queda entre um e outro corpo,
algo semelhante ao batimento sombrio de umas asas que
voltam da eternidade,
ao pulso da despedida debaixo da terra.
A realidade, sim, a realidade:
anúncio de encerrado em todas as portas do desejo.
Olga Orozco (n. 17 de Março de 1920, Toay, Argentina – m.
15 de Agosto de 1999, Buenos Aires), versão de HMBF a partir do original
coligido por Marta Ferrari, in Antología – La poesia del signo XX en
Argentina, vol. 7 da colecção La Estafeta del Viento, dirigida por Luis
García Montero e Jesús García Sánchez, Visor Libros, 2010, p. 157.162-163.
Estudou na Faculdade de Filosofia e Letras de Buenos Aires, integrando desde
cedo o grupo surrealista Terceira Vanguarda. Esteve associada à revista Canto
nos anos 40. Foi uma famosa actriz de teatro radiofónico, usando vários pseudónimos
na imprensa escrita onde se dedicou à crítica teatral. Nos anos 70, elaborava
horóscopos e respondia a consultas sentimentais praticando tarot. Amiga de Pizarnik,
de Amelia Biagioni, de Alberto Girri e de Enrique Molina, dedicou-se também à
crítica literária e à tradução. Desde lejos (1946) foi o seu primeiro livro.
3 comentários:
Deixa-te dessas argentinadas, pá. A loira nhó-nhó foi nomeada ao prémio das Correntes! Momento alto da história da poesia tuga! Os autores do abismo devem unir-se em oração para que ela ganhe. Contamos contigo.
Ó anónimo não tenho a mínima ideia a que se refere e aqui pespego o meu protestozinho por me ter arruinado o desvelo. Que mal lhe fazem as argentinices? Leu ou não o poema que comentou? Não gosta de louras, é isso? Se procura poemas sem umbigo, que tal dar um à luz para exemplo dos incautos que, como eu e muitos tantos, preferem parir no escuro? Se quer entrar em corridas, porque não se submete às regras aceitando a derrota sem rancores descabidos? Que lhe interessam os prémios as tribos e os juízos de valor se nem o tempo é julgador de si mesmo? Por favor eduque-me, começando talvez por chamar as coisas pelo nome.
Questões fundamentais:
Se quer entrar em corridas, porque não se submete às regras aceitando a derrota sem rancores descabidos? Que lhe interessam os prémios as tribos e os juízos de valor se nem o tempo é julgador de si mesmo?
E pronto.
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