quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

COM ESTA BOCA, NESTE MUNDO



Não mais te pronunciarei, verbo sagrado,
ainda que tenha as gengivas azuis,
ainda que ponha debaixo da língua uma pepita de ouro,
ainda que sobre o meu coração derrame um caldeirão de estrelas
e à minha frente passe a secreta corrente dos grandes rios.

Talvez tenhas fugido para o lado nocturno da alma,
esse que nenhuma lâmpada ilumina,
e não há sombra que guie meu voo no umbral,
nem memória que chegue de outro céu para encarnar nesta neve dura
onde apenas se inscrevem o rumor da ramagem e o gemido do vento.

E nem um só tremor que sobressalte as pedras mudas.
Temos falado de mais do silêncio,
condecorámo-lo como a um vigia no arco final,
como se nele o esplendor jazesse depois da queda,
o triunfo do vocábulo, com a língua cortada.

Ah, não se trata da canção, nem do soluço!
Já disse o amado e o perdido,
com cada sílaba trabalhei os bens e os males que mais temi perder.
Ao longo do corredor soa, ressoa a melodia tenaz,
retumbam, propagam-se como o trovão
umas poucas moedas caídas de visões ou arrebatadas à obscuridade.
O nosso longo combate também foi um combate à morte com a morte, poesia.

Ganhámos. Perdemos,
porque como nomear com esta boca,
como nomear neste mundo com esta única boca neste mundo com esta única boca?

Olga Orozco, versão de HMBF a partir do original coligido por Marta Ferrari, in Antología – La poesia del signo XX en Argentina, vol. 7 da colecção La Estafeta del Viento, dirigida por Luis García Montero e Jesús García Sánchez, Visor Libros, 2010, pp. 173-174.

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