Não mais te pronunciarei, verbo sagrado,
ainda que tenha as gengivas azuis,
ainda que ponha debaixo da língua uma pepita de ouro,
ainda que sobre o meu coração derrame um caldeirão de
estrelas
e à minha frente passe a secreta corrente dos grandes
rios.
Talvez tenhas fugido para o lado nocturno da alma,
esse que nenhuma lâmpada ilumina,
e não há sombra que guie meu voo no umbral,
nem memória que chegue de outro céu para encarnar nesta
neve dura
onde apenas se inscrevem o rumor da ramagem e o gemido do
vento.
E nem um só tremor que sobressalte as pedras mudas.
Temos falado de mais do silêncio,
condecorámo-lo como a um vigia no arco final,
como se nele o esplendor jazesse depois da queda,
o triunfo do vocábulo, com a língua cortada.
Ah, não se trata da canção, nem do soluço!
Já disse o amado e o perdido,
com cada sílaba trabalhei os bens e os males que mais
temi perder.
Ao longo do corredor soa, ressoa a melodia tenaz,
retumbam, propagam-se como o trovão
umas poucas moedas caídas de visões ou arrebatadas à
obscuridade.
O nosso longo combate também foi um combate à morte com a
morte, poesia.
Ganhámos. Perdemos,
porque como nomear com esta boca,
como nomear neste mundo com esta única boca neste mundo
com esta única boca?
Olga Orozco, versão de HMBF a partir do original coligido
por Marta Ferrari, in Antología – La poesia del signo XX en Argentina,
vol. 7 da colecção La Estafeta del Viento, dirigida por Luis García
Montero e Jesús García Sánchez, Visor Libros, 2010, pp. 173-174.
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