Vincent van Gogh deve ser o pintor mais vezes retratado
cinematograficamente. Cá em casa moram Van Gogh (1991), de Maurice Pialat, numa
antiquada VHS, e Lust for Life/A Vida Apaixonada de Van Gogh (1956), de
Vincente Minnelli e George Cukor, num sofisticado DVD (ok, ok, bem sei que o
DVD também já caiu em desuso). Gosto mais do francês, com Jacques Dutronc no
papel do malogrado pintor. Curiosamente, o americano arrecadou um Oscar para
melhor actor secundário: Anthony Quinn no papel de Paul Gauguin. Coube a Kirk
Douglas fazer de Van Gogh.
Alain Resnais abordou o tema em Van Gogh (1948), a curta
documental que mereceu uma estatueta da academia norte-americana. Está
disponível no Youtube. Mais recentemente, pudemos ver o belíssimo filme de
animação de Dorota Kobiela e Hugh Welchman com o título Loving Vincent/A Paixão
de Van Gogh (2017). Não vi Van Gogh: Painted with Words (2010), de um tal
Andrew Hutton, mas o trailer não me inspirou curiosidade, apesar do
papel principal ter ficado a cargo do excelente Benedict Cumberbatch. Há
outros, de Paul Cox, de Robert Altman, e sabe-se lá de mais quantos.
Eis que chegamos At Eternity’s Gate/À Porta da Eternidade
(2018), de Julian Schnabel. O que podemos esperar sobre Van Gogh que não nos
tenha sido já oferecido? Schnabel é um especialista no filme biográfico, tendo abordado
outro pintor num filme de boa memória: Basquiat (1996). Dediquei-lhe algumas palavras em tempos, para sublinhar a sua inclinação por personalidades
complexas. Em Before Night Falls/Antes que Anoiteça (2000) retratou o escritor
cubano Reinaldo Arenas e em Le scaphandre et le papillon/O Escafandro e a
Borboleta (2007) baseou-se na vida de Jean-Dominique Bauby, ex-director da
revista Elle. São filmes esteticamente diferentes deste último sobre Van Gogh,
muito mais lineares e convencionais no modo de colocar a câmara.
À Porta da Eternidade tenta oferecer à imagem cinematográfica
os movimentos bruscos da pintura de Van Gogh, adoptando amiúde efeitos visuais
e sonoros que parecem pretender reproduzir a mente perturbada e atormentada do
pintor. O efeito é inspirador, nomeadamente se tivermos em conta as dificuldades
que, neste caso em particular, o movimento da pintura coloca à imagem em
movimento do cinema. Como fixar o movimento de uma coisa fixa? Paradoxo?
Antinomia? Este é, sem dúvida, o desafio que Van Gogh colocou a si mesmo,
percebendo-se que Julian Schnabel não lhe tenha querido fugir. Antes pelo
contrário, adoptou-o para si oferecendo-nos sequências de fotografias,
alternando entre o close-up e a paisagem, e planos-sequência em constante
movimentação.
Coube a Willem Dafoe, um dos melhores actores da sua
geração, o papel de Vincent van Gogh. Pode parecer estranho que um homem com 63
anos interprete um pintor que morreu aos 37, mas é bem provável que o corpo de
Van Gogh aos 37 não fosse muito diferente do de Dafoe aos 63. Actor fetiche de Julian
Schnabel, entrou em praticamente todos os seus filmes. Tem um rosto peculiar
que assenta que nem uma luva neste papel, desempenhado num registo que consegue
o equilíbrio dos desequilíbrios da personagem. Ora paranóico, ora afectuoso,
aqui desesperado, além místico, Dafoe é o meu Van Gogh preferido. O diálogo com
Mads Mikkelsen, a fazer de padre, nos claustros do hospício de Saint-Rémy,
dificilmente passará despercebido a quem aprecie os mistérios da genialidade.
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