Evitai o desespero. Se vos falo de coisas lúgubres, é
porque a vida também se aprende a doer. Nem tudo são açúcares. Talvez não tenha
ficado clara a inspiração de Unamuno no malogrado Manuel Laranjeira
(1877-1912), poeta português que não cabe nas antologias. Deste poderia
sugerir-vos alguns versos, ficções, peças. Mas há um ensaio em particular que
merece bom acolhimento nas nossas estantes. Chama-se Pessimismo Nacional e, se
bem sei, foi surgindo num jornal entre 1907 e 1908. Tenho a edição da frenesi, de Março de 2009. É vossa.
O autor suicidou-se em
1912, inspirando desse modo o espanhol de Bilbau. Médico, republicano fervoroso, tentou arranjar estômago
que aguentasse a república do seu tempo, pântano de esfomeados, sapal de analfabetos,
servos das quadrilhas de privilegiados que no poder ou junto dele tratavam o
povo como hoje parece mal tratar os cães. Com as devidas distâncias, podemos sempre
sublinhar o mal que perdura na raiz:
«(...) numa sociedade, onde o pensamento
representa um capital negativo, um fardo embaraçoso para jornadear pelo caminho
da vida; num povo, onde essa minoria intelectual, que constitui o orgulho de
cada nação, se vê condenada a cruzar os braços com inércia desdenhosa, ou a
deixá-los cair desoladamente, sob pena de ser esterilmente derrotada; num país,
onde a inteligência é um capital inútil e onde o único capital deveras
produtivo é a falta de vergonha e a falta de escrúpulos — o diagnóstico impõe-se de per
si».
Contra isto, um Presidente da República ocupado a
papaguear que somos os melhores em tudo, distribuindo abraços e beijinhos por
desgraçados e miseráveis, é apenas merecida caricatura. Se tendes dúvidas, ide
à pastelaria e folheai o jornal do dia. Ou sintonizai a televisão em qualquer
canal a vosso arbítrio, que logo ides deparar-vos com o esterco onde o
pessimismo frutifica.
Impõem as boas práticas que ao pessimismo da razão
receitemos o optimismo da vontade, não vá o coração ceder à tentação fatalista
que ceifou este Laranjeira e tantos outros como ele. Sirvam antes as suas
palavras de pré-aviso: «Vestimos à moderna, pretendemos viver à moderna, e
pensamos e sentimos à antiga». Dando graças a Deus. Eis o melhor de um
diagnóstico onde aos males e vícios não se aplicam virtudes nem remédios:
«O mal da sociedade portuguesa é apenas este: — a
desagregação da personalidade colectiva, o sentimento de interesse nacional
abafado na confusão caótica dos sentimentos de interesse individual».
Portanto, o mal está na ganância, na avidez, na sovinice,
e nesta filha da puta de mania de pensar que a vida é eterna, subjugando assim
o dia-a-dia a uma ideia de conforto e luxo que apenas hipoteca o futuro e nos
desapaixona do presente. O mal está no individualismo cego, doença que tendemos a tratar com esmolas e campanhas de solidariedade. O mal está em sermos diariamente explorados, enganados, traídos, e vivermos bem com isso, como se fosse natural sermos explorados, enganados, traídos. Se calhar é.
Ficai atentas, preveni-vos, minhas filhas, de todo e
qualquer messias, onde há um homem haverá sempre a imponderável manifestação do
desespero. E o tempo passa num instante. Ficai de atalaia e desconfiai, desde
logo das seitas, das quadrilhas, dessas religiões erguidas por profetas movidos
apenas pela hipocrisia, sejam elas da fé ou da economia. Vai dar ao mesmo.
Por acaso nascestes portuguesas. Já alguém disse que por
isso partis em desvantagem, mas que não seja uma fatalidade o lugar. Se a
ignorância encolhe o território, estudai, aprendei, escutai, perscrutai na Natureza
as cores, os sons, os cheiros que tornam válida a vida. Ides certamente encontrar
recanto onde a inteligência possa ser apreciada, nem que seja onde eu encontrei
o meu: em vós.
8 comentários:
Grande livro.
concordo
Acho fantástico estar a construir esta herança para as suas meninas. Não se limita a uma listagem de obras preferidas, fica a relação do pai com o universo dessas obras e, sobretudo, a sua própria vivência que escorre das suas palavras.
Esmagador.
Obrigado Célia. A ideia é essa.
Nem tudo está perdido: a Sociedade Portuguesa de Autores dá prémios a autores.
?
"Ides certamente encontrar recanto onde a inteligência possa ser apreciada, nem que seja onde eu encontrei o meu: em vós."
Que bela expressão de ternura, Henrique!!! (para não falar do magnífico testamento que estás a construir).
Abraço. :-)
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