CITAÇÃO VI (SANTA TERESA)
alma que resfolgas na metade
do pensamento / da vida / como
um cavalo que correu / onde está a ração
que detenha tuas patas loucas? / ânsia
de derramar grandíssimo o amor
para que durma abraçada ao esposo
que treme à aurora contra a sombra
da tua meditação? / flores que cheiras
na macieira do amor crescido
onde as minhas várias almas se perderam
para que almes meu desencarcerado rosto
com ela aberta na metade de si /
beleza de vós enquanto orações
onde madruga em pena o meu silêncio?
Poeta, jornalista, tradutor, Juan Gelman (Buenos Aires, 3
de Maio de 1930 – Cidade do México, 14 de Janeiro de 2014) foi um importante
poeta argentino a quem atribuíram em 2007 o Prémio Cervantes. A participação em
organizações de guerrilha contra a ditadura levou-o ao exílio, acabando por
radicar-se no México. Publicou o primeiro poema com apenas 11 anos, vindo mais
tarde a integrar a corrente da “nueva poesia” (1955-1967) fundando o grupo “El
pan duro”. Neste grupo militavam jovens poetas comunistas que propunham uma
poesia politicamente comprometida. Abandonou o Partido Comunista por volta de
1960, defendendo a luta armada à semelhança do que havia acontecido na
Revolução Cubana. Formou então o grupo "Nueva Expresión", dedicando-se ao jornalismo
revolucionário. Com Eduardo Galeano esteve na revista “Crisis”. Forçado ao
exílio, viu serem sequestrados os seus filhos Eva e Marcelo, assim
como a nora, grávida à época, María Claudia Irureta Goyena. Soube através da
Igreja Católica que a nora havia dado à luz em cativeiro. Durante este período
da ditadura, mais de 30000 pessoas foram dadas como desaparecidas na Argentina. Os
restos mortais do filho foram posteriormente encontrados num rio de San
Fernando, dentro de um contentor cheio de cimento. A autópsia revelou que tinha sido assassinado com um tiro
na nuca. Juan Gelman conseguiu descobrir que a nora foi deslocada para o Uruguai durante o
conhecido Plan Cóndor. Escritores como Günter Grass, Darío Fo, José Saramago,
exerceram forte pressão internacional para o ajudarem a encontrar a neta, o que
aconteceu em 2000. O poema acima transcrito, composto durante o exílio, faz
parte de um conjunto de poemas que dialogam com o castelhano do séc. XVI
através de citações dos místicos São João da Cruz e Santa Teresa. Gelman
referiu-se a eles como uma necessidade de encontrar através da linguagem as
raízes profundas de um exilado. Versão de HMBF a partir do original coligido
por Marta Ferrari, in Antología – La poesia del signo XX en Argentina,
vol. 7 da colecção La Estafeta del Viento, dirigida por Luis García
Montero e Jesús García Sánchez, Visor Libros, 2010, p. 308.
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