quinta-feira, 11 de julho de 2019

JUAN GELMAN E O EXÍLIO



CITAÇÃO VI (SANTA TERESA)

alma que resfolgas na metade
do pensamento / da vida / como
um cavalo que correu / onde está a ração
que detenha tuas patas loucas? / ânsia

de derramar grandíssimo o amor
para que durma abraçada ao esposo
que treme à aurora contra a sombra
da tua meditação? / flores que cheiras

na macieira do amor crescido
onde as minhas várias almas se perderam
para que almes meu desencarcerado rosto

com ela aberta na metade de si /
beleza de vós enquanto orações
onde madruga em pena o meu silêncio?



Poeta, jornalista, tradutor, Juan Gelman (Buenos Aires, 3 de Maio de 1930 – Cidade do México, 14 de Janeiro de 2014) foi um importante poeta argentino a quem atribuíram em 2007 o Prémio Cervantes. A participação em organizações de guerrilha contra a ditadura levou-o ao exílio, acabando por radicar-se no México. Publicou o primeiro poema com apenas 11 anos, vindo mais tarde a integrar a corrente da “nueva poesia” (1955-1967) fundando o grupo “El pan duro”. Neste grupo militavam jovens poetas comunistas que propunham uma poesia politicamente comprometida. Abandonou o Partido Comunista por volta de 1960, defendendo a luta armada à semelhança do que havia acontecido na Revolução Cubana. Formou então o grupo "Nueva Expresión", dedicando-se ao jornalismo revolucionário. Com Eduardo Galeano esteve na revista “Crisis”. Forçado ao exílio, viu serem sequestrados os seus filhos Eva e Marcelo, assim como a nora, grávida à época, María Claudia Irureta Goyena. Soube através da Igreja Católica que a nora havia dado à luz em cativeiro. Durante este período da ditadura, mais de 30000 pessoas foram dadas como desaparecidas na Argentina. Os restos mortais do filho foram posteriormente encontrados num rio de San Fernando, dentro de um contentor cheio de cimento. A autópsia revelou que tinha sido assassinado com um tiro na nuca. Juan Gelman conseguiu descobrir que a nora foi deslocada para o Uruguai durante o conhecido Plan Cóndor. Escritores como Günter Grass, Darío Fo, José Saramago, exerceram forte pressão internacional para o ajudarem a encontrar a neta, o que aconteceu em 2000. O poema acima transcrito, composto durante o exílio, faz parte de um conjunto de poemas que dialogam com o castelhano do séc. XVI através de citações dos místicos São João da Cruz e Santa Teresa. Gelman referiu-se a eles como uma necessidade de encontrar através da linguagem as raízes profundas de um exilado. Versão de HMBF a partir do original coligido por Marta Ferrari, in Antología – La poesia del signo XX en Argentina, vol. 7 da colecção La Estafeta del Viento, dirigida por Luis García Montero e Jesús García Sánchez, Visor Libros, 2010, p. 308.

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