Comecei a ler o Carlos Alberto Machado nos weblogs, há
uns anos valentes. Só depois encomendei duas peças de teatro por ele assinadas:
“Restos. Interiores” (2002) e “Aquitanta”(2003). Por volta de 2013 conhecemo-nos
pessoalmente na apresentação de “Confissões”, do José Ricardo Nunes, tendo
então o Carlos me desafiado a enviar um original para a Companhia das Ilhas.
Reuni algumas histórias que andavam perdidas na gaveta e enviei-lhe o livro.
A
primeira edição do “Call Center” saiu em Junho de 2014, com uma ilustração da
Bárbara Fonseca na contracapa. Esgotados os 100 exemplares, passados cinco anos
o Carlos voltou a desafiar-me para uma reedição. Revi os textos anteriormente
publicados e acrescentei ao conjunto dez histórias novas.
Como recentemente
expliquei em Vila do Conde, estas histórias têm em comum personagens
fragilizadas por problemas de comunicação geradores de equívocos vários. As
chamadas deste “Call Center” resultam todas avariadas, sendo que na sua maioria
surgiram, de facto, de seis meses de trabalho num inferno que fui amenizando
compondo efabulações para os nomes de pessoas com quem comuniquei ao ouvido sem
fazer a mínima ideia de quem eram.
Sobre este livrinho, escreveu à época, no
Expresso, o José Mário Silva: «No universo de H.M.B.F., o espelho que reflecte
a sociedade partiu-se em mil estilhaços, e é sobre essas arestas de vidro que
as personagens caminham, cortando-se e sangrando, mais impulsionadas pelo
espanto do que pela revolta, seguindo ainda assim em frente, através do negrume.
As incongruências da vida gregária (na família, no bairro, no país) e a
entropia social geram uma energia turva que explode através de situações
absurdas» (Expresso/Atual, 2 de Agosto de 2014).
Deixo aqui, a título de
exemplo, a micronarrativa seleccionada agora para texto de badana. Nela
entenderão a gozada glosa das estúpidas hierarquias que até entre poetas se
instauram:
O POETA PSICOSSOMÁTICO
Há os poetas
grandes, cimeiros, gigantescos, colossais, etc. Este de que vos falo era de tal
forma titânico que precisava de um miradouro para poder contemplar a sua
própria sombra. Era um poeta psicossomático.
Certo dia
penetrou a amante com o seu olhar mais de poeta psicossomático e disse-lhe: a
tua saliva é o adubo da minha voz. Nesse mesmo instante, a boca
transformou-se-lhe num vaso cheio de terra e cresceram-lhe plantas nos dentes.
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