domingo, 9 de fevereiro de 2020

UMA CANÇÃO DE ALLEN GINSBERG


CANÇÃO

O peso do mundo
          é amor.
Sob o fardo
          da solidão,
sob o fardo
          do descontentamento

          o peso,
o peso que carregamos
          é amor.

Quem pode negar?
          Toca
em sonhos
          o corpo,
constrói
          em pensamento
um milagre,
          angustia-se
na imaginação
          até nascer
no humano —

espreita pelo coração
          ardendo puramente —
pois o fardo da vida
          é amor,

carregamos porém o fogo
          com fadiga,
temos pois de descansar
nos braços do amor
          enfim,
temos de descansar nos braços
          do amor.

Não há descanso
          sem amor,
não há sono
          sem sonhos
de amor —
          loucos ou indiferentes
que sejamos, obcecados
          com anjos ou máquinas,
o derradeiro desejo
          é amor
— não pode amargar,
          não se pode negar,
não se pode conter
          se negado:

pesa de mais este peso

          — tem de se dar
sem rendimento
          como se dá
o pensamento
          na solidão
na suprema excelência
          do seu excesso.

Os corpos quentes
          brilham juntos
no escuro,
          move-se a mão
para o centro
          da carne,
treme a pele
          de felicidade
e vem-se a alma
          exuberante aos olhos —

sim, sim,
          era isso que eu
queria,
          que eu sempre quis,
eu sempre quis
          regressar
ao corpo
          onde eu nasci.


San Jose, 1954


Allen Ginsberg, in Uivo e Outros Poemas, tradução de Margarida Vale de Gato, Relógio D'Água, Setembro de 2014, 75-79.

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