Mantemos os despertadores programados na hora a que é costume
levantarmo-nos, conferindo também desse modo alguma normalidade aos dias. Hoje
tomei o pequeno-almoço na varanda, a observar os funcionários municipais que aparavam
bermas e canteiros. Do lado direito do prédio há um terreno baldio que se
conserva verdejante desde que para aqui viemos viver há vinte anos. Lembro-me
de nos terem anunciado, à época, a construção de uma igreja nas imediações. Felizmente,
nunca abriram os caboucos da malfadada igreja e os eucaliptos puderam crescer
numa convivência anárquica com pinheiros e moitas. Algumas pessoas seguem a
passo estugado com sacos de compras, vigiadas por bandos de rolas dissimuladas
nos troncos das árvores, pombos aparentemente desorientados e o voo ameaçador
das gaivotas. As gaivotas têm vindo a invadir paulatinamente a cidade, alguém
terá que lhes tratar da saúde mais tarde ou mais cedo. Sou surpreendido por uma
criatura arisca a cruzar o parque do bairro. Primeiro parece-me uma ratazana,
depois suponho tratar-se de um gato, concluo por fim ser um coelho. Vejo-o
esgueirar-se por entre os carros estacionados, para depois desaparecer entre as
plantas do único canteiro que por aqui cumpre as funções para as quais foi
concebido. É um canteiro de cactos, rosmaninho, fetos e hortênsias, homenagem involuntária
à multiculturalidade dispersa pelos prédios do bairro. Quedo um bom quarto de
hora a olhar para o canteiro, na esperança de que o coelho salte dentre as plantas
e se escape para o terreno baldio do lado direito. Suponho que ficaria mais
protegido no matagal que medra aos pés dos eucaliptos e dos pinheiros. Não
salta. Cá de cima, na varanda, parecia-me mais pequeno e indefeso do que
porventura será. Talvez lá de baixo ele me tenha julgado maior e mais seguro do
que na realidade sou.
Sem comentários:
Enviar um comentário