O dia amanheceu brumoso, com uma chuva tímida a inspirar sensações de higiene que as páginas dos jornais se encarregam de
desmentir. A incúria de alguns líderes mundiais assume contornos de barbárie. O
mais provável é virem a passar incólumes por entre os pingos, sem que algum dia
sejam julgados pela irresponsabilidade, pela negligência, até pelos gestos
mafiosos. Não me eximirei de os acusar, mesmo
reconhecendo o efeito anódino das minhas acusações. É uma questão de salubridade mental. No
topo da inconsciência encontramos alguém cujo nome se torna difícil de pronunciar
sem que fiquemos com uma sensação de imundície na garganta. Insistindo na ideia
peregrina de um “vírus Chinês”, Donald ziguezagueia como mosca em
torno de um monte de trampa. Tudo podemos esperar deste gangster, desde o
negacionismo inicial ao aliciamento de um laboratório farmacêutico alemão,
passando pela injecção de teorias conspirativas acerca de putativos ataques à
economia norte-americana. Concentro-me na imagem de uma rola que, impávida e serenamente, se mantém quase oculta na ramada de um velho eucalipto. Temos muito a
aprender com os animais, mais ainda com aqueles que conseguem escapar aos
garrotes da domesticação. Invejo a serenidade da rola pousada no ramo, tento
adoptar o mesmo sossego nos meus gestos quotidianos. Não abdico, porém, de
pensar naqueles que no terreno se esforçam para garantir uma certa normalidade e
nos levam a sentir vergonha da raiva com que censuramos a modorra e o tédio dos
dias comuns. Uma distância enorme separa os que mais não têm senão o seu
próprio umbigo daqueles que se mantêm ligados ao mundo por um cordão umbilical
de partilha e de solidariedade. Não sendo os tempos propícios a clivagens, talvez
de algum modo possam favorecer esta ideia: foi num tempo em que nos exigiram distância
que mais próximos uns dos outros estivemos.
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