sábado, 7 de março de 2020

VIDA E LITERATURA



Maria Gabriela Llansol estreou-se com um livro de contos, Os Pregos na Erva (1962). Não passou despercebido. Nos apêndices à segunda edição encontramos alguns excertos de críticas então publicadas. Natércia Freire chamou poeta à autora: «escritora de uma originalidade solitária». Alfredo Guisado vacilou, não sabendo se havia de chamar contos ou episódios aos textos do primeiro livro de Llansol. Álvaro Salema mostrou-se entusiasmado, mas insistiu na ideia de que as narrativas do livro subsistiam «principalmente como poesia e não como ficção objectivável». João Gaspar Simões foi implacável: «não são “contos”, porque, para todos os efeitos não “contam” coisa nenhuma». E acrescentou: «Sem lirismo de criação nem subjectividade de observação». O remate não deixa dúvidas: «De facto, o “estilo” de Maria Gabriela Llansol, na sua pretensa genuinidade, traduz o que de mais vazio e retórico subsiste nas nossas letras». Mário Dias Ramos falou em «psicologismo ambíguo». Já Armando Ferreira dividiu-se com a riqueza de um «estilo em equilíbrio inverosímil de vocábulos e significados, muitos de rara felicidade, outros de duvidosa adaptação». E, por fim, Alexandre Pinheiro Torres: «experiência estética que, a nosso ver, em grande parte se malogra. (…) Em muitas passagens, em muitas páginas, o processo, pelos motivos esboçados, não resulta. Pode constituir até um bom exemplo de como não se deve escrever».

A tudo isto se antecipou a autora com uma passagem do conto “O Sal”:

   — Não devíamos distinguir entre vida e literatura — disse alto. Concebes a vida sem artificialismo e a literatura sem naturalismo?
   Não respondeu Sílvia. Mas a literatura tem, por essência, mais artificialismo que a vida, e a vida mais naturalismo que a literatura.

Maria Gabriela Llansol, in “Os Pregos na Erva”, 2.ª edição, Edições Rolim, 1987, p. 68.

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