— Portugueses. São os melhores que cá temos! — diz o gerente apontando os homens que trabalham naquela furna. — E então — continua — nada de complicações. Se um ou outro se mete em propagandas e políticas, os próprios colegas acusam-no ou põem-no fora! Não respondo, a doer-me da miséria que leva a minha gente a tanta cegueira.
Um país não é coisa de um só homem — é de todos, problema e obrigação nossa. Temos — todos —, há cinquenta e mais anos, passeado o tédio e a pose nas esplanadas, pontificado nas pastelarias, nos cafés dos Largos da Matriz, nas Praças da República. Que mais?
Pendurados — todos — no conforto de ser contra ou a favor, arrematando que é impossível! que é difícil!
Pois é. Sempre foi. Em todos os países, em todos os tempos. Simplesmente entre nós — não falemos do povo, não falemos dos idealistas inocentes que têm sofrido, enquanto outros passeiam a Teoria pela Baixa de Lisboa ou pelas farmácias da província — gerou-se a enorme burla da espera pelos mitos. Burla espiritual. A que mais dói.
Famélicos, preparando as postas, as compadrices, teóricos de borra, a fazerem-se reputações à custa de problemas bizantinos (como se neste país houvesse urgência em descobrir quem esteve em 1513 na costa de África, ou determinar o horário das refeições em função do marxismo-leninismo), mas desprezando o trabalho que é trabalho e cujo fruto aparece nas gerações futuras.
Do nada, ou do pouco feito, querem paga imediata, fácil, e de preferência que reluza ao longe como os colares de comenda.
Amargos, mesquinhos, dizendo mal, constantemente a desculpar-se, «Isso aqui não dá! É impossível! Só lá fora!» — com medo que lhes peçam um esforço verdadeiro, que os venham tirar do casulo onde há cinquenta anos se meteram — todos — e nos meteram, chamando acção ao que é só pose, chamando mudança ao que é aceitação, chamando sistemas e teorias à prosa do café.
J. Rentes de Carvalho, in O Rebate, das Anotações finais, Quetzal, Abril de 2012, pp. 164-165.
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