Entre as diversas ocupações que podemos desenvolver
durante a quarentena, contar grãos de sacos de arroz é uma delas. Ler todos os
volumes de “Em busca do tempo perdido” será outra. Eu fico-me por tentar
responder a um questionário de Proust. Eis o resultado:
Qual é a sua ideia de felicidade plena?
Um sono descansado, profundo, silencioso.
Qual é o seu maior medo?
Perder um filho.
Qual é a característica que mais detesta em si mesmo?
Insegurança.
Qual é a característica que mais detesta nos outros?
Soberba.
Que pessoa viva mais admira?
Admiro predicados, não admiro sujeitos.
Qual é a sua maior extravagância?
Banhos demorados. Muito demorados.
Qual é o seu estado de espírito mental?
Pessimismo da razão, optimismo da vontade. Respiguei-o no exemplo de vida de um
indivíduo que tinha tudo para ser apenas pessimista: Antonio Gramsci.
Qual considera ser a virtude mais sobrestimada?
A coragem.
Em que ocasiões mente?
Quem conta um conto acrescenta um ponto.
O que menos gosta na sua aparência?
Penugem por todo o lado.
Que pessoa viva mais despreza?
Todas as pessoas que desprezem pessoas.
Qual a característica que mais aprecia nos homens?
A rectidão.
Qual a característica que mais aprecia em mulheres?
Esfericidade.
Que palavras ou frases usa excessivamente?
Estou farto desta merda toda.
O quê ou quem é o maior amor da sua vida?
Isso não é pergunta que se faça a um homem.
Onde e quando foi mais feliz?
Sempre que consegui sair de mim mesmo. Dormindo profundamente, por exemplo.
Que talento mais gostaria de ter?
Funambulismo.
Se pudesse mudar uma característica em si, o que seria?
Mudaria a minha total inaptidão para ganhar dinheiro.
Qual considera ser a sua maior conquista?
Sou um falhado, pá, nunca conquistei nada na vida.
Se morresse e voltasse, que pessoa ou coisa seria?
Seria uma coisa a modos que ociosa. Ou um piano nas mãos de Khatia
Buniatishvili.
O que mais valoriza nos seus amigos?
A amizade.
Quem são os seus artistas favoritos?
Os de circo.
Quem é o seu herói da ficção?
O homem que matou Liberty Valance.
Com que figura histórica mais se identifica?
Com o Adriano da Yourcenar, que a certa altura diz: «O nosso grande erro é
querer encontrar em cada um, em especial, as virtudes que ele não tem e
desinteressarmo-nos de cultivar as que ele possui.»
Quem são os seus heróis da vida real?
Todos aqueles que aprendem a dar sem necessidade de cobrar ou de receber pelo
que deram.
Quais são os seus nomes favoritos?
Os das operações policiais.
Do quê é que menos gosta?
De que me tomem por parvo quando na realidade o sou sem sequer se aperceberem
que tendo consciência de que sou parvo sei bem quando me estão a tomar por
parvo.
Qual é a sua aversão de estimação?
Gente racista, machista, homofóbica.
Qual é o seu maior arrependimento?
Não ter aceitado participar num seminário de línguas mortas quando era
estudante de filosofia. E ter sofrido sempre por antecipação.
Como gostaria de morrer?
Todo fodido, de preferência. Dizia o Al Berto, e eu concordo: «sei que darei ao
meu corpo os prazeres que ele me exigir. vou usá-lo, desgastá-lo até ao limite
suportável, para que a morte nada encontre de mim quando vier».
Qual é o seu lema de vida?
«A vida não é maneira de tratar um animal», dizia o Kurt Vonnegut e eu
concordo.
Qual considera ser o seu maior infortúnio?
Ora porra, ter nascido. Para a minha mãe foi mais difícil.
Como gostaria de ser?
Como o homem da harmónica no duelo final.
Qual é a sua asneira favorita?
Foda-se.
Onde gostaria mais de viver?
Fora de mim.
Qual é o bem mais valioso que tem?
Como a família não tem valor, direi que é um terceiro andar junto ao bairro dos
ciganos em Caldas da Rainha.
Qual considera ser a maior profundidade da miséria?
Ó Proust, meu burguês, que pergunta de merda é esta?
Qual é a sua ocupação favorita?
Ouvir música.
Qual é a sua característica mais assinalável?
De mim já disseram que sou besta, lombriga, água-choca, brutinho, sabujo,
verme, resto de restos, caçador frustrado, ténia, etc. Dentre todas estas
características, prefiro a de verme. Tem inspirado muitos e (alguns) bons
poemas.
Se Deus existisse, o que gostaria que ele lhe dissesse?
Tu vai dormir, pá.
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