sábado, 4 de abril de 2020

DIÁRIO DA QUARENTENA #8


Entre as diversas ocupações que podemos desenvolver durante a quarentena, contar grãos de sacos de arroz é uma delas. Ler todos os volumes de “Em busca do tempo perdido” será outra. Eu fico-me por tentar responder a um questionário de Proust. Eis o resultado:

Qual é a sua ideia de felicidade plena?
Um sono descansado, profundo, silencioso.


Qual é o seu maior medo?
Perder um filho.


Qual é a característica que mais detesta em si mesmo?
Insegurança.


Qual é a característica que mais detesta nos outros?
Soberba.


Que pessoa viva mais admira?
Admiro predicados, não admiro sujeitos.


Qual é a sua maior extravagância?
Banhos demorados. Muito demorados.


Qual é o seu estado de espírito mental?
Pessimismo da razão, optimismo da vontade. Respiguei-o no exemplo de vida de um indivíduo que tinha tudo para ser apenas pessimista: Antonio Gramsci.


Qual considera ser a virtude mais sobrestimada?
A coragem.


Em que ocasiões mente?
Quem conta um conto acrescenta um ponto.


O que menos gosta na sua aparência?
Penugem por todo o lado.


Que pessoa viva mais despreza?
Todas as pessoas que desprezem pessoas.


Qual a característica que mais aprecia nos homens?
A rectidão.


Qual a característica que mais aprecia em mulheres?
Esfericidade.


Que palavras ou frases usa excessivamente?
Estou farto desta merda toda.


O quê ou quem é o maior amor da sua vida?
Isso não é pergunta que se faça a um homem.


Onde e quando foi mais feliz?
Sempre que consegui sair de mim mesmo. Dormindo profundamente, por exemplo.


Que talento mais gostaria de ter?
Funambulismo.


Se pudesse mudar uma característica em si, o que seria?
Mudaria a minha total inaptidão para ganhar dinheiro.


Qual considera ser a sua maior conquista?
Sou um falhado, pá, nunca conquistei nada na vida.


Se morresse e voltasse, que pessoa ou coisa seria?
Seria uma coisa a modos que ociosa. Ou um piano nas mãos de Khatia Buniatishvili.


O que mais valoriza nos seus amigos?
A amizade.


Quem são os seus artistas favoritos?
Os de circo.


Quem é o seu herói da ficção?
O homem que matou Liberty Valance.


Com que figura histórica mais se identifica?
Com o Adriano da Yourcenar, que a certa altura diz: «O nosso grande erro é querer encontrar em cada um, em especial, as virtudes que ele não tem e desinteressarmo-nos de cultivar as que ele possui.»


Quem são os seus heróis da vida real?
Todos aqueles que aprendem a dar sem necessidade de cobrar ou de receber pelo que deram.


Quais são os seus nomes favoritos?
Os das operações policiais.


Do quê é que menos gosta?
De que me tomem por parvo quando na realidade o sou sem sequer se aperceberem que tendo consciência de que sou parvo sei bem quando me estão a tomar por parvo.


Qual é a sua aversão de estimação?
Gente racista, machista, homofóbica.


Qual é o seu maior arrependimento?
Não ter aceitado participar num seminário de línguas mortas quando era estudante de filosofia. E ter sofrido sempre por antecipação.


Como gostaria de morrer?
Todo fodido, de preferência. Dizia o Al Berto, e eu concordo: «sei que darei ao meu corpo os prazeres que ele me exigir. vou usá-lo, desgastá-lo até ao limite suportável, para que a morte nada encontre de mim quando vier».


Qual é o seu lema de vida?
«A vida não é maneira de tratar um animal», dizia o Kurt Vonnegut e eu concordo.


Qual considera ser o seu maior infortúnio?
Ora porra, ter nascido. Para a minha mãe foi mais difícil.


Como gostaria de ser?
Como o homem da harmónica no duelo final.


Qual é a sua asneira favorita?
Foda-se.


Onde gostaria mais de viver?
Fora de mim.


Qual é o bem mais valioso que tem?
Como a família não tem valor, direi que é um terceiro andar junto ao bairro dos ciganos em Caldas da Rainha.


Qual considera ser a maior profundidade da miséria?
Ó Proust, meu burguês, que pergunta de merda é esta?


Qual é a sua ocupação favorita?
Ouvir música.


Qual é a sua característica mais assinalável?
De mim já disseram que sou besta, lombriga, água-choca, brutinho, sabujo, verme, resto de restos, caçador frustrado, ténia, etc. Dentre todas estas características, prefiro a de verme. Tem inspirado muitos e (alguns) bons poemas.


Se Deus existisse, o que gostaria que ele lhe dissesse?
Tu vai dormir, pá.

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