quinta-feira, 28 de maio de 2020

CIDADÃO UCRANIANO

As imagens que chegam dos EUA, com um homem a sufocar debaixo do joelho de um polícia, que se serve do peso do seu corpo para assassinar o indivíduo imobilizado, são especialmente chocantes não por oferecerem um extraordinário exemplo de brutalidade policial ou pela singular manifestação de racismo que ali possa estar ilustrado. Elas são chocantes por terem sido às claras, com vários cidadãos a filmarem a ocorrência no local, em tempo real, tentando interceder pela vítima, sem qualquer sucesso, enquanto um outro polícia mantém posição para que o seu camarada possa dar continuidade à tortura sem ser importunado. O choque já não está na brutalidade nem na vulgaridade, está na total inexistência de filtros que transforma uma acção da autoridade num acto performativo com público e assistência. Sem cinemas nem teatros, aí está, entregue ao domicílio, a arte urbana de uma civilização superior. O cidadão ucraniano que morreu no SEF do aeroporto de Lisboa continua sem nome, ao contrário de George Floyd. O cidadão ucraniano continua invisível, sem rosto, embora tenha sido sujeito a uma tortura semelhante ou mais cruel. Apesar de ter sido à porta da nossa casa, o cidadão ucraniano continuará a ser um cidadão ucraniano como outro qualquer. Já ninguém se lembra dele, não há cartazes com o seu rosto, nem memes, não se realizaram manifestações nem demos por uma qualquer vaga de indignação popular. Ninguém viu. George Floyd podia ser o nosso cidadão ucraniano, se alguém tivesse visto o que se passou naquela sala do aeroporto de Lisboa onde perdeu a vida às mãos da autoridade. A nossa autoridade.

2 comentários:

sonia disse...

Infelizmente isso acontece em muitos lugares. Aqui no Brasil é comum a polícia atirar pra matar ou torturar se tiver chance. O mundo está muito negativo e cruel.

Take Direto disse...

Pensei no Ihor também. De imediato. E ps tantos outros que não sabemos. Se uma polícia não é para prezar pela segurança dos cidadãos deixa de ter razão para existir.