O negócio do século, deste início de século, é ser popular nas redes sociais. Tenho-me impressionado com a quantidade de gente que surge a declarar-se influencer ou instagrammer, profissões que desconhecia até há muito pouco tempo haver sido informado da sua existência. Entretanto venho reparando em fenómenos curiosíssimos onde as diversas dimensões da vida pública se misturam com a vida privada num contexto meramente publicitário. A ideia é a pessoa vender-se a si mesma simulando que este ou aquele acessório é parte integrante de si. Logo, ao vender-se a si mesma vende também o produto que traz acoplado. O Instagram é a idealização final deste fenómeno, um álbum de fotografias onde o mundo surge estetizado por aquilo que cada um julga ser o melhor se si: corpos tonificados, casas bem decoradas, grandes carros, paisagens idílicas, bons restaurantes, poemas belíssimos (aos poemas ninguém liga, são flores para entreter meia dúzia de gatos pingados). Tudo é belo e estilo e saudável no Instagram, pelo que as marcas empenham-se na penetração desse território. É de lei as marcas serem belas e saudáveis e até comoventes, no sentido de sentimentais.
Quem fala de marcas e de acessórios fala de políticas, de ideais, ou talvez seja mais exacto dizer pseudo-políticas e pseudo-ideais. Porque o único ideal neste domínio é o da extrema popularidade e a única política é a da visualização massiva, de modo a rentabilizar, com likes, reacções, visualizações, e, consequentemente, com dinheiro, a oferta que se faz de si mesmo ao mundo. No fundo, o que se comercializa no reinado da fantasia, o da popularidade virtual-real, é uma identidade. Quanto mais estúpido, mais engraçado. O riso vende. Quanto mais violento, mais atractivo. A crueldade gera curiosidade. Quanto mais tonificado, mais apetecível. O culto do corpo resume padrões de beleza. As massas vão atrás, atraídas por tendências para as quais contribui fortemente a utilização de bots (web robot, aplicação de software para simular acções humanas), ou seja, por “movimentos de massas”, “ondas e modas”, na verdade inexistentes. As modas sempre se alimentaram a partir do efeito bola de neve. O que sucede agora é a formação da bola de neve ser impulsionada por uma tempestade falsa, inventada, gerada pelos tais bots.
Não sei como lidar com isto, mas temo que pela indiferença e pela ignorância não melhoremos nada, pois é precisamente a ignorância o que mais alimenta este tipo de fenómenos. Tudo isto tem raízes sociológicas profundas, que nos levariam aos tops in/out das revistas de moda, às passadeiras vermelhas, à vaidade promovida pelas sociedades consumistas, à espectacularização dos sentimentos, ao “império do efémero” e à “era do vazio” que Gilles Lipovetsky vem reflectindo há muito. O ideal seria que as massas deixassem de ligar a modas, de actuar por imitação, que cada indivíduo se revalorizasse e fortalecesse com escudos protectores feitos de desconfiança e espírito crítico, mas isto está nos antípodas da natureza das massas.
Os efeitos são visíveis: os temas esgotam-se em si mesmos (não perduram senão para lá do anúncio que causa sensação e logo esmorece), o que leva a uma injecção constante de assuntos no espaço publicitário tendo em vista a manutenção da popularidade (veja-se o Tweeter, a velocidade alucinante a que a realidade aí decorre sem qualquer preocupação de aprofundamento de um debate público); a capacidade de debater o que quer que seja é traída pela assimilação bipolar dos factos, os quais ora geram muito entusiasmo, ora deprimem profundamente; a incredulidade toma conta do espaço público, pois tudo parece encenado, falso, irreal (normalmente diz-se surreal); a relevância dos factos mede-se pelo impacto que geram e não pela gravidade que têm, pelo que uma simples troca de “bocas” entre duas figuras públicas é mais comentada do que qualquer notícia sobre a fome ou a escravidão no mundo; os grandes e tradicionais males da humanidade vulgarizam-se a ponto de perderem qualquer interesse; o espaço público convertido em rede transforma-se num circo onde só vale o entretenimento, preenchendo-se a agenda com não-assuntos e peças insólitas.
Que importa se a carne que comemos ou a roupa que vestimos são produzidos com trabalho escravo? José Castelo Branco e André Ventura trocam mimos no Twitter. Bora ver?
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