sexta-feira, 8 de janeiro de 2021

UM SONETO DE ANTÓNIO CABRITA

 


O EXACTO VALOR DAS COISAS

E quanto vale o cérebro do arganaz
em lúcia-limas? E o sémen
do cachalote? Que valemos nós antes
de, esparsos, decairmos, inquire Holub,
o imunologista de maior fama
entre os poetas. Quanto custa a língua
sob a cama do morto? Que vale
o impalpável país onde, à falta de crianças,
se amontoam os espaços de penumbra?
Que câmbio para a poesia, o céu
submerso em vimes, o tempo que adoça
às cegas? Não escrever nenhuma palavra
de desânimo, tomada de caruncho. Ou,
por fazê-lo, cinco anos de cadeia.

António Cacrita, in Bagagem não Reclamada, Alcance Editores, Moçambique, Março de 2013, p. 166. Nota: na imagem ao alto vemos o poeta checo Miroslav Holub (n. 1923 - m. 1998), a quem o quarto verso deste soneto alude, imunologista de profissão. 

Sem comentários: