quarta-feira, 31 de março de 2021

A BAPTIST BEAT (1960)

 


Livro novo. Recebi alguns exemplares. Fiz as dedicatórias. Fui aos correios enviá-los. Abri uma garrafa de vinho e passei o dia a brincar com a Nala. Já sobe ao sótão sem ajuda. E desce. Qualquer dia aprende a voar. Adora afocinhar a terra, esgaravatar os vasos na varanda, talvez em busca de um coelho que julgará escondido na cartola dum vaso. Contei-lhe que uma vez sonhei que as pessoas eram semeadas e brotavam da terra, tinham raízes que as prendiam aos lugares onde despontavam para a vida. Não tinham pés, de resto eram iguais ao que são: patéticas, snobes, sonhadoras, cretinas, ambiciosas, deprimidas, escrupulosas, pulhas, canalhas, meigas, cínicas, irónicas, escamadas, peludas, cobardes, intriguistas, amigáveis, frágeis, débeis, corajosas, palermas, burgessas, inteligentes. Não tanto quanto os cães, claro. O sonho terminava com um fio de água a correr para dentro da boca de uma dessas pessoas de cabeça para o ar e boca aberta e a água a escorrer de um céu estranhamente claro, límpido, azul, vertida pelos olhos de uma libélula tristonha que batia furiosamente as asas sem sair do mesmo lugar. A pessoa enchia, inchava e quando estava prestes a rebentar eu acordei. Depois escrevi um livro sobre o assunto, recebi alguns exemplares, fiz as dedicatórias, enviei-os por correio. Ao cuidado de Hank Mobley, ao cuidado de Freddie Hubbard, para Wynton Kelly, para Paul Chambers, com sincera admiração, para Art Blakey. A cadela gostou da história, até uivou, levantou as patas dianteiras, agitou furiosamente o rabo e levantou voo. Fui dar com ela à janela, a observar melancolicamente o estertor de um passarinho no beiral depois de ter partido uma asa ao atingir a vidraça.

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