segunda-feira, 29 de março de 2021

POPPIN’ (1957)

 


A minha médica de família é uma simpatia. Telefonou-me a dar conta da recepção dos exames, uma catrefa de papelada que me propus realizar para descanso das almas. Deu-me os parabéns. Senti-me como o bom aluno cumpridor, premiado em quadro de honra por conservar pulmões respeitáveis, garganta desimpedida, fusos horários regularizados em matéria de batimentos cardíacos e veias expurgadas de gorduras excessivas. Emagreci qualquer coisa nos últimos tempos, reduzi substancialmente no pão e no café e no álcool e no tabaco (mudei de marca) e nos doces, passando a dar mais relevância ao chá e às alfaces. Foi uma promessa e é para cumprir, serei mais cuidadoso com a minha saúde. Devia estar, portanto, orgulhoso pelo comportamento adoptado no primeiro trimestre deste malfadado ano, mas a verdade é que não me agrada a hipótese de vir a morrer saudável. Queria partir deste mundo com corpo e cabeça o mais desfeitos possível, antes de tudo terminar transformado em pó e cinzas. Hank Mobley soprava o tenor com elegância, era menos hostil do que o Coltrane que substituiu junto de Miles Davis nos idos de 1960. Depois morreu com pneumonia. Topam a ironia da coisa? Um tipo mete-se com cuidados, vem um raio e atinge-nos desprevenidamente no meio da rua. Vamos desta para melhor todos porreiros e cheios de energia, fritados por uma descarga eléctrica arrotada pelos céus quando menos esperávamos.  Vou mas é beber um brandy e fumar um Romeo y Julieta, até porque a minha irmã faz anos e estamos impedidos de nos abraçar pelo dever de infelicidade temporária.

2 comentários:

Evandro disse...

Ora, se não é uma coincidência. Comecei dieta semana passada porque fui mau aluno e o médico franziu o cenho quando viu meus exames. Daqui a dois meses verei no que isso vai dar.

Saudações de um Brasil desgovernado por um genocida e cheio de gente ruim

hmbf disse...

Coragem. E saúde.