ROCK & ROLL
Ao Ginsberg, talvez
Vi dor de minha carne
que se soltava nas ruas em manifestações de poesia com
uma vontade enorme de mudança
que batia nos andaimes da crueldade e sorrindo
continuava a bater até sangrar
que lia Sade e Lautréamont e só depois calmamente
enrolava um charro
que conhecia a violência do Estado e dos cidadãos
exemplares por a ter já sentido de forma monstruosa
como vingança de ser jovem e ser bela
que tripava com prazer indescritível cabelos ondulando
nas estrelas e pegadas na areia
que escalava o Gerês procurando o estado de Graça
encontrando apenas a solidão absoluta
que enlouquecia em espasmos repentinos e incontroláveis
à uma da tarde para às sete os escrever à beira rio
que chutava ópio nos prédios em construção utilizando
água da chuva sem se importar com nada
que deambulava em bando pela cidade carregada de
drunfos tentando comunicar o desespero sem o
conseguir
que viajava em velhos Ford à boleia para fugir da angústia
e ia parar a festivais de jazz
que se embebedava por garrafas poeirentas e após
imprecações grunhidas com raiva acabava a noite a
vomitar nas retretes
que chorava indefesa no regaço do amor e recebia em
troca festinhas de consolação
Vi pedaços de mim estilhaçados pueris
que se suicidavam na docilidade quando queriam era viver
que se guerreavam entre si em batalhas incompreensíveis
para não agredirem o mundo
que sofriam em silêncio sem uma ponta de revolta sequer
porque queriam terminar com o sofrimento
que já fartos se encheram de rock & roll e cuspiram
niilismo
que impossibilitados da aventura e da vida decidiram a
vingança como última esperança de gozo
Vi-me por fim mergulhado nesta indiferença cultivando o
isolamento num saciar de prazeres há muito esquecidos
Adolfo Luxúria Canibal, in No rasto dos duendes eléctricos (Poesia 1978-2018), Porto Editora, Setembro de 2019, pp. 57-58.
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