domingo, 4 de abril de 2021

UM MANIFESTO DE NUNES DA ROCHA

 


MANIFESTO BREVE, SENDO CASO, FINAL DE ODE

À súbita luz do isqueiro, esquecido de quem sou,
Adormeço num verso de rua
Sob heteronímia alheia a tudo isto

...
Agora sou janela escondida
De bigode e sobrancelha
No desvão
Para teu prazer
Amanhã cão amputado
Ruço como um abandono
Sem nome à porta do talho
Também rua sou por vezes
Para lá da noite segredo cego
Ao néon pisca-pisca
Mitra descalço
Mulher da limpeza
Do dia
Do último ao primeiro comboio
Alternadeira da noite
Mailo o chulo que a traz
Ao pastel de nata do dia
A cheirar colónia
RANÇO PARA TUDO ISTO!
Ranço para o jogging de exilados
Da classe média como mortos-vivos
Ranço do cavalo ao desbarato
Para os putos chegados a esta barricada
Para as luzes azuis que atravessam ruas
Entre solene música de ambulâncias
Na recolha dos diabetes
Overdoses,
E desmaios por nada mais haver que fazer
Ó orquestra de tudo isto!

Já fui jardim
Como este para inaugurações
Ou aquele de balouços solitários
E merda de cão
Pombo de pata romba
E parasita na asa
Sobre a paróquia de betão
Ó broche divino
Para catequistas de negros
Cú alçado aos cigarros
E romenos
Búlgaros e monhés
Porque toda a foda é amor sem fronteira
Na ecuménica maneira
De disfarçar a solidão
RANÇO PARA TODA A CARIDADE

Sou queda de cabelo em pijama
A comprar o jornal da manhã
A recortar nas páginas do meio
As mamas grandes da minha aflição
O cú grande do meu desidério
Mais do que uma frustração ou desidério
É antecâmara da morte no quarto alugado
Onde os vizinhos não sabem que resido
PÍVEA PARA A SACROSANTA FAMÍLIA

EM TODAS AS PAREDES SOU:
"Com um tesão que enrabava a mim mesmo"
                                                           Toi Pires

"De metáfora em metáfora ficou adulto para sempre"
                                             Al Berto, passou por aqui

"Lede Os Anais de Énio e A Lésbia de Cacilhas, ó ignorantes!"
                                                                              Mancha Negra

"O Mancha é panilas: o epicurista nunca será levado
    a excessos que ponham
Em perigo o seu prazer"
                                      Ernest Junger, também passou por aqui

"Il semble que la Mort est la souer de l'amour"?
     Ó Caussimon", larga a droga!
                                                   Bacanz, forever

Agora e sempre
Desempregado na ombreira do central
Da taverna
De todas as arcadas, mini-bares, cafés-pingados
E também pracetas, vãos-de-escada
Esquinas
De toda uma arquitectura submersa em urina,
Porque o mijo é o nosso modo de pensar
Como o escarro a nossa acção revolucionária.
O BISCATE É O ZEITGEIST DO NOSSO TEMPO
Todos vós, metecos de paris, londres,
irmãos em madrid e carenque
LUMPEN-PROLETARIADO DE TODO O MUNDO,
DIZEI A UMA SÓ VOZ:
IDE CO CARALHO!

Nunes da Rocha, in Sabão Offenbach, &etc, Abril de 2015, pp. 20-23.


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