sábado, 3 de abril de 2021

WELL YOU NEEDN’T (1947)

 


O Ricardo diz que repito muitas vezes a palavra imo. Contou-a 5 vezes no último livro. Os meus amigos estão a ficar exigentes. Querem o quê, que diga âmago? Não digo, é sentimental. E tem uma conotação espiritual que não me interessa. Talvez preferissem íntimo ou intimismo, que é coisa que se diz em circunstâncias especiais. Seria um desperdício de letras, o imo está no íntimo. E fica mais fundo do que a intimidade. Será que não percebem? O imo é para lá da intimidade, vibra num fundo tão fundo que quase mais nada se vê onde ele está. É onde a memória acasala com o esquecimento para produzir recalcamentos, que é um conceito típico da psicanálise. Logo, a evitar. Imo tem a profundidade certa, não é chão, é espaço aberto, como se fôssemos escavando um buraco até chegarmos ao fundo dos fundos e deparássemos com o ventre trepidante da terra, como diz a Maria Lúcia, a fervilhar num magma que, pudesse ser atravessado, teria com certeza na sua raiz não um sol mas o espaço vazio que à sua volta se expande em poeira. Imo é bom. De resto, arde dentro de inúmeras palavras. Reparem bem, só neste texto está em último e íntimo, mas podia estar também em próximo, mínimo, péssimo, porque imo é sufixo átono, vive nas coisas como um átomo tenuíssimo. Viram? Ninguém ousa recriminar o Thelonious Monk por repetir muitas vezes um Fá de 7.ª. Por que hei-de eu ser crucificado por escrever muitas vezes imo? 7.ª acolhe o feminino de imo, que é ima. Vão dizer-me que é por acaso que a mais alta cadeia montanhosa do mundo se chama Himalaias?  

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