sábado, 24 de julho de 2021

ALGUNS AFORISMOS DE KARL KRAUS

 


O austríaco Karl Kraus foi um satirista celebrizado tanto pelas peças de teatro como pelos aforismos, embora tenha mantido uma intensa actividade jornalística. Também escreveu poemas e ensaios. Estudou Direito, sem sucesso nem convicção, e tentou ser actor. Em vão. Também não prosseguiu os estudos de literatura alemã e de filosofia. Preferiu dedicar-se ao humor, satirizando a sociedade da sua época com especial desenvoltura. Renunciou ao judaísmo no mesmo ano em que fundou o seu primeiro jornal, em 1899, plataforma a partir da qual encetou diversas polémicas disparando sobre a hipocrisia do moralismo, políticas económicas, corrupção, psicanálise, etc. Os seus aforismos podem denotar, por vezes, uma mente misógina e solipsista, algo misantrópica, mas nunca devemos perder de vista o tom eminentemente irónico dos seus pensamentos. Tem uma obra vasta e heteróclita, tendo sido indicado para o Nobel algumas vezes. Fez inúmeras palestras, tendo Elias Canetti sido um assíduo frequentador das mesmas. Publicou em 1919 aquela que é considerada a sua obra-prima, Os Últimos Dias da Humanidade, fantasia apocalíptica que coloca em contracena um optimista e um pessimista. É um texto que combina documentos factuais com fantasias apocalípticas, começado a escrever em 1915 e composto por alguns dispersos publicados em momentos diferentes. Antes, havia já coligido um primeiro de três volumes de aforismos em 1909, sob o título genérico Ditos e Contraditos (tradução de Lumir Nahodil, VS, 2018). São desse volume as cogitações que se seguem:
 
Tratam a mulher como uma bebida refrigerante. Não querem admitir que as mulheres tenham sede. (p. 15)
 
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Já é mais que tempo de as crianças esclarecerem os pais acerca dos segredos da sexualidade. (p. 43)
 
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A solidão seria um estado ideal, se pudéssemos escolher as pessoas que evitamos. (p. 61)
 
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A terra está a mobilizar-se desde que os homens começaram a ensaiar a conquista do ar. (p. 79)
 
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Vi um poeta num relvado a correr atrás de uma borboleta. Pousou a rede num banco, onde um rapaz estava a ler um livro. É uma infelicidade que as coisas costumem passar-se ao contrário. (p. 83)
 
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O uso de palavras pouco usuais é um vício literário. Só se deve atrapalhar o público com dificuldades intelectuais. (p. 107)
 
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O ajuntamento: e depois de se ter verificado o acidente “acorreram ao local numerosos curiosos para inspeccionarem o local do acidente”. O acidente, por seu lado, já se tinha tornado tão insensível às provocações da curiosidade que se quedou por um desprezo taciturno. (pp. 123-124)
 
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Tive uma visão horripilante: vi uma enciclopédia aproximar-se de um sabe-tudo e abri-lo. (p. 133)
 
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Eu e o meu público entendemo-nos muito bem: ele não ouve o que eu digo, e eu não digo o que ele quer ouvir. (p. 142)

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