Ia longa a espera e as pernas cada vez mais doridas por sobre elas o peso manter-se fiel ao corpo, quando dei por mim a distrair dores observando três meninas que brincavam com uma bandeira sobre o campo pelado. Uma delas caiu e sujou a bandeira, logo as outras a ajudaram a erguer-se, sacudiram-se e continuaram a correr de um lado para o outro. A bandeira era um papagaio na praia, muito semelhante ao que eu havia vislumbrado no dia anterior durante um passeio solitário. Fiquei a olhar para ele questionando-me se o que à minha frente se abria em deslumbrados tons seria mar ou rio, porventura estuário ou talvez a foz em que uma coisa pode ser e não ser ao mesmo tempo. A lógica herdada de Aristóteles é insuficiente, precisamos de mais espaçamento entre as linhas para que o pensamento não tropece em imagens de que nos arrependeremos no futuro por serem tão curtas, isto é, exíguas. Sinto que o meu corpo não cabe nelas quando vejo, como vi, uma mãe a passar o bebé para os braços do pai, deixando-o atrapalhado com protestos chorosos. Ah, é tão simples calar o choro de uma criança assim traída, basta erguê-la como uma bandeira fingindo que voa. Começam logo a sorrir. Depois vi ainda uma filha a dançar com a mãe idosa, feliz por fazê-la feliz, ambas satisfeitas com a velocidade própria de cada contentamento. Há quem seja alegre a abrir e se meta na fórmula 1 da felicidade, há quem imite lesmas e caracóis enquanto atravessa as paredes da alegria. Eu vim pela auto-estrada a cumprir os limites, não por respeito aos limites, mas por julgá-los mais do que adequados às circunstâncias e à banda sonora de Coltrone escolhida para a viagem. E vim o caminho todo a pensar naquelas quatro ou cinco idades dos meus últimos dias, desde a criança de colo à idosa que dançava pela mão da filha, vim a pensar como se estivesse no cais a observar-me em trânsito na ponte. Parado a ver-me caminhar é como estou melhor.
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